terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Tesouros Cinéfilos - Mirai (Mirai)

De: Mamoru Hosoda. Com Moka Kamishiraishi, Haru Huroki e Gen Hoshino. Animação, Japão, 2018, 98 minutos.

Não bastasse o traço absurdamente irresistível do diretor japonês Mamoru Hosoda, Mirai (Mirai) ainda é uma obra-prima sobre relações familiares e de amadurecimento a partir de eventos "traumáticos". O evento traumático, no caso do jovem Kun (Moka Kamishiraishi), é a chegada ao mundo da irmãzinha que dá nome ao filme. Acostumado a ser o centro das atenções e o objeto de permanente afeto dos pais, Kun perceberá que a chegada de Mirai modificará esse cenário, com ele ficando em segundo plano. Não adiantará espernear, gritar, chorar, dizer que odeia a tudo e a todos, jogar os brinquedos longe e toda a sorte de outras desobediências: a atenção dos pais estará voltada, quase que exclusivamente, para este novo ser. E Kun, assim, experimentará pela primeira vez o sentimento de ciúme/inveja com o qual ele, sendo uma criança de seis, sete anos, não saberá lidar.

Após uma discussão doméstica em que Kun acerta a irmã mais nova na cabeça com um trem de brinquedo, o menino sai correndo para fora de casa desesperado - num misto de envergonhado e irritado com a situação (aliás, muita gente criticou o filme por simplesmente não suportar o berreiro e, consequentemente, o comportamento infantil e mimado de Kun). Será no quintal de casa, que o garoto acessará uma espécie de portal mágico que lhe possibilitará encontrar versões alternativas de seus parentes - como a sua irmã na fase adolescente, a sua mãe como uma criança de sua idade ou mesmo o seu bisavô embrutecido pela guerra que se avizinha. Até o cachorro Yukko aparecerá em uma curiosa versão humana. Todos eles com algum tipo de "mensagem" para o garoto.


Será no contato com cada uma dessas pessoas que formarão, numa espécie de emanação metafísica para o futuro, a genealogia de Kun, que aos poucos, compreenderá a sua existência no mundo, podendo assim suportar melhor as dores, os medos, as angústias. A cada ida para esse mundo mágico ele retornará um pouco mais compreensivo, menos rabugento e mais tolerante. Crescer, afinal de contas não é fácil. Amadurecer, pior. Mas Kun perceberá dessa maneira que assim é a vida e que caberá a ele aceitar a condição que se estabelece, se habituando a ela. E se nos colocarmos no lugar dele, quantas não foram as dores e sofrimentos que nos foram impostos em nossa juventude e o quanto não aprendemos com cada uma dessas experiências? A vida nos diz "não" muitas vezes e assim também será para Kun que, entre idas e vindas, aprenderá a andar de bicicleta e até mesmo a se virar quando se sentir perdido no mundo mágico.

Não é preciso dizer que a cultura oriental está em toda a parte e mesmo ela é apresentada de forma fluída, orgânica, o que não compromete a compreensão de quem assiste do outro lado do mundo. Os traços muito bonitos da animação possuem pequenas nuances, com cores que reforçam objetos mais importantes e cenários mais empalidecidos ou coloridos de acordo com o humor de nosso protagonista (o mesmo valendo para as figuras, assustadoras ou não, que se descortinarão na sua frente). Tratando ainda, de raspão, por temas relacionados à gênero e maternidade - repare como, pelo fato de o pai da família trabalhar em casa, cabe a ele o cuidado com os filhos -, Mirai se torna facilmente a melhor animação entre as indicadas ao Oscar em sua categoria (ainda não vi O Homem Aranha no Aranhaverso, o favorito e elogiadíssimo pela crítica), com traço belo e mensagem singela.

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