quarta-feira, 2 de maio de 2018

Pérolas da Netflix - Eu Não Sou Um Homem Fácil (Je Ne Suis Pas Un Homme Facile)

De: Eléonore Pourriat. Com Vincent Elbaz, Marie-Sophie Ferdane, Blanche Gardin e Céline Menville. França, comédia, 2018, 98 minutos.

E se, de um dia para o outro, acordássemos em uma sociedade em que homens e mulheres tivessem seus papeis invertidos, com o mundo sendo dominado por elas? Com as mulheres tendo a força física e os melhores cargos no mercado de trabalho - e, consequentemente, mais poder - e aos homens cabendo o papel de submissos e assediados? Essa é a curiosa premissa do ótimo Eu Não Sou Um Homem Fácil (Je Ne Suis Pas Un Homme Facile). Ainda que seja vendida como uma comédia - e, sim, o filme da diretora Eléonore Pourriat tem uma série de sequências constrangedoramente engraçadas - a obra é, na verdade, um drama daqueles que faz pensar muito sobre este tema tão atual. E que nos faz compreender também o fato de que o feminismo nada tem a ver com superioridade e sim com a legítima luta pela igualdade entre os gêneros.

E o caso é que, com o filme, acabamos percebendo esse cenário (se é que alguém, em pleno 2018, ainda não tenha percebido), da forma mais patética possível. Na trama somos apresentados a Demien (Vincent Elbaz), sujeito machista, daqueles que não resistem a um comentário sexista diante de qualquer mulher que lhe dê o mínimo de atenção. Após um acidente em que o sujeito bate a cabeça, ele "acorda" em um mundo em que são as mulheres que andam na rua sem camisa, que assediam os homens na obra, que tecem comentários de mau gosto sobre as roupas que eles estão usando, que são egoístas na hora do sexo e que expressam o mínimo de sentimentos possíveis no que diz respeito aos relacionamentos. E será nesse fantasioso universo, que Damien aprenderá a dura lição de estar do outro lado, passando a ser ele o sujeito objetificado pela sociedade.



Talvez a trama, ainda que relativamente engenhosa, possa ser insuficiente para alguns, no que diz respeito a relevância do debate - especialmente pelo fato de o filme rir de certas situações ou reforçar alguns estereótipos. Mas, ainda assim, a ousadia do roteiro faz com que fiquemos arrebatados. A opção por retratar as mulheres desse novo mundo como pessoas masculinizadas - elas usam ternos, nunca se depilam e abusam de seu poder para conseguir o que querem - pode até parecer estranha em um primeiro momento. Mas, ao perceber com clareza o quão repulsivos são estes mesmos comportamentos, quando praticados por homens, é que constatamos a eficácia da opção. E não é por acaso que a Alexandra (interpretada pela atriz Marie-Sophie Ferdane) é o verdadeiro lugar-comum do "homem" bem sucedido e que se acredita superior. Claro, ela é uma mulher.

Com excelente desenho de produção - no novo mundo são os homens que usam roupas curtas ou excessivamente coloridas ao passo que elas usam figurinos de cores sóbrias e dirigem carros de maior envergadura - essa pequena pérola do cinema francês ainda nos ensina, no terço final, a importância do contexto social em que vivemos para a formação de nossa personalidade, ideias e visões de mundo. Podemos aprender a respeitar a igualdade entre os gêneros. Ou mesmo a lutar por ela, por quê não? Nesse sentido, assistir a Damien ouvindo a mesma frase saída da boca de Alexandra - mas, em um segundo momento, sem qualquer conotação sexista -, é quase revelador sobre o machismo que anda tão enraizado em nossa sociedade. E que, muitas vezes, nos faz ter a impressão de ainda vivermos na Idade Média.

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