segunda-feira, 9 de abril de 2018

Tesouros Cinéfilos - Incêndios (Incendies)

De: Denis Villeneuve. Com Rémy Girard, Mélissa Désormeaux-Poulin, Marwan Maxim e Lubna Azabal. Drama, Canadá, 2010, 130 minutos.

Surpreendente. Assombroso. Impactante. Formidável. Pungente. A lista de adjetivos que possam qualificar um filme como Incêndios (Incendies) parece não ter fim. Aliás, isso pode parecer meio paradoxal na abertura de uma resenha, mas, a dica é ver a obra do diretor Denis Villeneuve (A Chegada) de posse do menor número de informações possíveis - o que certamente tornará a experiência ainda mais impressionante (e olha aí mais um adjetivo). A trama se passa no Canadá, onde os irmãos gêmeos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Marwan Maxim) acabam de perder a mãe, Nawal (Lubna Azabal). Em uma reunião com o notário Jean (Rémy Girard) para tratar do testamento, eles são informados de que Nawal deseja ser enterrada sem caixão, nua e de costas, sem que haja qualquer lápide ou túmulo. Mais do que isso: deixa dois envelopes, um a ser entregue ao pai deles e outro para o irmão.

Só que aí há um problema: além de os irmãos jamais terem sabido da existência de um outro irmão, eles acreditavam que o seu pai estivesse morto. O quebra-cabeças proposto pela falecida mãe será completado com Jeanne e Simon recebendo um envelope para, aí sim, poderem construir a lápide. Sim, a trama é intrincada e envolvente e, é preciso que se diga, há uma atmosfera de suspense permanente que acompanha os eventos que vão sendo descortinados. E, enquanto Jeanne deseja atender o pedido da mãe - o que envolve uma ida a Palestina para uma profunda investigação, que esclarecerá uma série de pendências relativas ao passado de Nawal - Simon preferiria que ela fosse enterrada de forma tradicional, passando a borracha na história (o que também tem a ver com o fato de a mãe sempre ter sido uma figura silenciosa e distante).



Em terras palestinas, Jeanne entenderá que as feridas abertas pela luta entre cristãos e muçulmanos afetaram diretamente a sua progenitora. Integrante do grupo de estudantes que se opunha ao partido nacionalista - encabeçado por milícias da direita cristã (alô fãs do Bolsonaro) que massacravam refugiados - Nawal ainda engravida de um muçulmano (o que seria o equivalente a um rival político). E conforme a realidade vai sendo atirada na cara de Jeanne ela, comovida, vai compreendendo as motivações de sua mãe. "A morte nunca é o fim da história", alerta o notário Simon em certa altura de película. E, como comprova a trágica existência de Nawal na Palestina - separada do filho e tendo de conviver como uma pessoa "amaldiçoada" pela família cristã - o seu silêncio e a sua aura misteriosa são partes de uma vida consumida pela culpa, pela dor e até pela vergonha.

Tendo na edição uma de suas grandes forças - o filme realiza idas e vindas no tempo para mostrar aspectos da vida de Nawal (bem como a luta pela sua sobrevivência em um cenário de grande hostilidade) e da rotina dos jovens na tentativa de contemplar o pedido da mãe -, a obra, indicada pelo Canadá ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira, ainda conta com excelentes interpretações de todo o elenco. E como se já não bastassem as suas outras qualidades - o ótimo desenho de produção, a fotografia amarelada (e melancólica) -, a película ainda reserva para o terço final um dos mais surpreendentes desfechos da história do cinema. É um filme sobre coincidências. E sobre a capacidade que podemos ter, ou não, de perdoar. Em uma época em que a intolerância e o ódio ordenam as ações das famílias de bem, uma película como Incêndios é, curiosamente, uma verdadeira lição de vida.

Um comentário:

  1. "A infância é uma faca cravada na garganta. É impossível retirá-la sem dor".

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