Um homem tenta se ajustar à sociedade arrumando um casamento com uma bela mulher burguesa e colocando-se à disposição para prestar serviço ao governo e à ideologia vigente e, enfim, sentir-se "normal". Acontece que o ano é 1938, o país é a Itália, e o "serviço" é ir até a França durante sua lua-de-mel encontrar um antigo professor de filosofia que, taxado de subversivo, vem divulgando ideias antifascistas que podem comprometer a tirania dominante do ditador Mussolini, para então armar uma emboscada que resultará no assassinato de seu antigo tutor e amigo.
Mesmo que a sinopse acima case muito bem em um filme de suspense, não vejo motivo para me desculpar pelo spoiler da última frase do parágrafo anterior, pois não é disso que o filme busca tratar em suas quase duas horas. A obra O Conformista, considerada uma das mais expressivas do cineasta Bernardo Bertolucci, é um exímio estudo de personagem de um homem que, de natureza auto-repressora, acaba por fazer parte de um período histórico que, pautado pela tortura e violação de direitos fundamentais, dizimou milhares de vidas contando com o apoio de parte considerável da população, com traumas ressonantes até hoje. E como alguém aparentemente comum pôde vir a naturalizar e apoiar tamanhos horrores que ocorreram nos regimes de Hitler e Mussolini?
Com uma fotografia excepcional de Vittorio Storaro (Apocalypse Now), esteticamente o filme já é uma experiência memorável, seja nos planos mais abertos em que vemos o palácio do governo fascista de maneira imponente, ou outros mais íntimos onde temos o ponto de vista do protagonista de maneira torta. Mas o roteiro adaptado do livro de Alberto Moravia ainda presenteia o cinéfilo com uma reflexão política que continua atual desde a época de seu lançamento. Ao tentar esmiuçar a psique de seu personagem-título, Bertolucci não só nos faz aplaudir seu maravilhoso plano final como nos aterroriza ao repararmos que, conforme a clássica citação de Brecht, a cadela do fascismo está sempre no cio. Que nos digam os grupos neofascistas, amigos e até familiares presentes no dia a dia, que infestam os almoços da "família de bem" e as redes sociais manifestando mensagens de ódio, saudosos pelo retorno de tempos tenebrosos. Frutos de uma sociedade que desaprendeu a amar o próximo e não soube resolver seus conflitos mais íntimos, conforme essa obra-prima tão pungente é capaz de sugerir.
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