quinta-feira, 12 de abril de 2018

Cine Baú - O Conformista (Il Conformista)

De: Bernardo Bertolucci. Com Jean-Louis Trintignant, Stefania Sandrelli, Gastone Moschin e Enzo Tarascio. Drama, Itália / França / Alemanha, 1971, 113 minutos.

Um homem tenta se ajustar à sociedade arrumando um casamento com uma bela mulher burguesa e colocando-se à disposição para prestar serviço ao governo e à ideologia vigente e, enfim, sentir-se "normal". Acontece que o ano é 1938, o país é a Itália, e o "serviço" é ir até a França durante sua lua-de-mel encontrar um antigo professor de filosofia que, taxado de subversivo, vem divulgando ideias antifascistas que podem comprometer a tirania dominante do ditador Mussolini, para então armar uma emboscada que resultará no assassinato de seu antigo tutor e amigo.

Mesmo que a sinopse acima case muito bem em um filme de suspense, não vejo motivo para me desculpar pelo spoiler da última frase do parágrafo anterior, pois não é disso que o filme busca tratar em suas quase duas horas. A obra O Conformista, considerada uma das mais expressivas do cineasta Bernardo Bertolucci, é um exímio estudo de personagem de um homem que, de natureza auto-repressora, acaba por fazer parte de um período histórico que, pautado pela tortura e violação de direitos fundamentais, dizimou milhares de vidas contando com o apoio de parte considerável da população, com traumas ressonantes até hoje. E como alguém aparentemente comum pôde vir a naturalizar e apoiar tamanhos horrores que ocorreram nos regimes de Hitler e Mussolini?


Marcello, vivido brilhantemente por Jean-Louis Trintignant (que pode ser visto hoje em dia nas obras mais recentes do cineasta austríaco Michael Haneke, como Amor e Happy End) é o legítimo conformista do título que, mesmo ao tentar se adequar em uma sociedade que parece não ser a mais apropriada a seus anseios, mantém-se em constante conflito interno - resultado de desejos reprimidos e fatos passados mal resolvidos, demonstrados tanto em sua amizade íntima com um porta-voz cego do regime fascista (uma metáfora óbvia), o affair com a esposa de costumes liberais de seu alvo, quanto as reminiscências de uma experiência homossexual frustrada no início da adolescência com um homem mais velho.

Com uma fotografia excepcional de Vittorio Storaro (Apocalypse Now), esteticamente o filme já é uma experiência memorável, seja nos planos mais abertos em que vemos o palácio do governo fascista de maneira imponente, ou outros mais íntimos onde temos o ponto de vista do protagonista de maneira torta. Mas o roteiro adaptado do livro de Alberto Moravia ainda presenteia o cinéfilo com uma reflexão política que continua atual desde a época de seu lançamento. Ao tentar esmiuçar a psique de seu personagem-título, Bertolucci não só nos faz aplaudir seu maravilhoso plano final como nos aterroriza ao repararmos que, conforme a clássica citação de Brecht, a cadela do fascismo está sempre no cio. Que nos digam os grupos neofascistas, amigos e até familiares presentes no dia a dia, que infestam os almoços da "família de bem" e as redes sociais manifestando mensagens de ódio, saudosos pelo retorno de tempos tenebrosos. Frutos de uma sociedade que desaprendeu a amar o próximo e não soube resolver seus conflitos mais íntimos, conforme essa obra-prima tão pungente é capaz de sugerir.

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