segunda-feira, 16 de abril de 2018

Picanha em Série - La Casa de Papel

Sim, a gente já sabe que você não aguenta mais ouvir falar de La Casa de Papel. Você abre as suas redes sociais, lá está a série em alguma postagem. Você vai para o trabalho ou para a faculdade, os seus colegas não falam de outra coisa. Até nas reuniões dominicais de família as discussões polarizadas sobre política - a propósito, #lulalivre - deram lugar para outras personagens de um certo programa da TV espanhola. E, caso você esteja querendo fugir do hype a todo o custo, temos uma má notícia: as pessoas falam da série porque ele é boa. Aliás, boa não. Ótima! O que significa que, a menos que você não se importe em ser um alienígena nas rodas de conversa já citadas, você TERÁ de assistir ao programa sobre o grupo de oito assaltantes que invade a Casa da Moeda da Espanha, fazendo os funcionários de reféns, com o objetivo de praticar um roubo milionário.

Sim, a premissa não tem nada de novo - e obras como O Plano Perfeito (2006), de Spike Lee, já beberam dessa mesma fonte. Mas o caso é que La Casa de Papel tem um pouco mais a oferecer, funcionando também, para além do mero entretenimento, como uma espécie de análise do painel político/econômico/social da Espanha nos últimos anos. Não por acaso o índice de desemprego galopante - que até 2016 (ano de lançamento da primeira temporada da série) ultrapassava fácil a casa dos 20% da população economicamente ativa na terra de Miguel de Cervantes e de Pablo Picasso, em alguns anos, como 2013, alcançando inacreditáveis 26% - também tem a ver com esse contexto. Assim, pessoas desesperadas para levantar dinheiro a qualquer custo (seja para dar um futuro melhor para o filho, seja para dar melhores condições para o pai doente), não chegam a ser algo surpreendente.



Em La Casa de Papel cada um dos bandidos tem as suas motivações próprias, e os oito levam nomes de capitais ou cidades importantes ao redor do mundo - Tóquio (Úrsula Corberó), Nairobi (Alba Flores), Berlim (Pedro Alonso), Moscou (Paco Tous), Denver (Jaime Lorente), Rio (Miguel Herrán), Helsinque (Darko Peric) e Oslo (Roberto García). Coordenados pelo sujeito chamado de Professor (Álvaro Morte) realizarão, minuciosamente, cada etapa do plano que consiste em entrar no local, render as dezenas de funcionários tornando-os reféns e iniciar a impressão de milhares de cédulas espanholas. É claro que a execução do plano não será tarefa simples, já que os assaltantes serão vigiados de perto pela equipe da investigadora Raquel Murillo (Itziar Ituño), que negocia diretamente com o professor. Além de terem de lidar com as inesperadas reações daqueles que estão a eles submetidos.

Um dos grandes trunfos da série está em não reduzir a disputa entre ambos os lados em uma maniqueísta luta do bem contra o mal - e eu imagino o bug na cabeça do integrante da família de bem batedora de panela quando ele se ver torcendo pelo bandido. E este é um dos grandes prazeres da série. Quem é o malfeitor nesse caso? O sistema que tanto oprime e que é capaz de corroer a esperança do povo (e de seus trabalhadores) por dias melhores? Os marginais, que mantém civis como reféns para alcançar seus objetivos? A polícia que, no modo "bandido bom é bandido morto", não hesita em torturar e assassinar aqueles que violam as leis? Os bancos e as grandes corporações, que, cada vez mais ricos, ignoram os anseios das camadas menos favorecidas? Sim, nas aparências La Casa de Papel pode até parecer uma simples história de mocinho contra bandido. Mas ela possui uma certa complexidade que nunca nos escapa - e que nos faz pensar e MUITO no que tem ocorrido em nosso Brasil Pós-Golpe.



Centrando ainda a sua força na complexidade das relações humanas - nunca sabemos como reagiremos, quem amaremos ou quem desejaremos que esteja longe de nós - a série ainda equilibra de maneira irrepreensível os momentos de drama, de comédia, de ação e de suspense (e não são poucas as sequências em que somos capazes de saltar da poltrona diante de cada detalhe revelado). Com edição ágil - a história em suas duas temporadas não dura mais do que cinco dias - o programa faz idas e vindas no tempo para mostrar como o Professor, sujeito de grande inteligência e dotado de uma paciência de Jó, articula cada detalhe da ação de forma meticulosa, o que fará com que, quase sempre, ele esteja um passo a frente da polícia. Quase sempre. Ou não. Como dissemos durante essa pequena resenha essa não é uma história de mocinho e de bandidos convencional. Assim, se você se pegar sorrindo ao final dos 22 episódios disponíveis na Netflix, não se surpreenda. Afinal de contas adoramos tramas com finais felizes!

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