terça-feira, 3 de abril de 2018

Disco da Semana - Kacey Musgraves (Golden Hour)

Existem alguns discos que estabelecem uma conexão imediata com o ouvinte. Uma sensação de bem-estar e de satisfação quase semelhante ao que acontece quando liberamos ocitocina após alguma atividade estimulante e prazerosa - e vai ver também somos inundados por hormônios do tipo, quando escutamos músicas agradáveis. Há também uma certa familiaridade, como se fizéssemos parte daquilo. Como se o artista estivesse dialogando diretamente conosco. Já estivemos em contato com isso. Já vivemos algo parecido. E se pensarmos na música pop como um todo - matéria-prima de 90% do disco Golden Hour, terceiro trabalho da americana Kacey Musgraves (os outros dez por cento são folk/country) - essa impressão parece se ampliar a cada curva ensolarada, a cada verso aconchegante, a cada melodia assobiável.

É um álbum simplesmente irresistível, envolvente, gostoso de ouvir. Assim como já era Pageant Material, trabalho anterior de Kacey, tão rico quanto este. E, aqui, é preciso ressaltar a ousadia da texana: se no registro anterior predominava um country eventualmente estereotipado - ainda que legitimamente saboroso - agora a artista parece disposta a flertar diretamente com uma música mais radiofônica, o que provavelmente significará a porta de entrada para que um público ainda maior a conheça. Ainda assim, é preciso que se diga, um material acessível ou comercial jamais significa, no caso de Kacey, um cancioneiro óbvio ou previsível. Ao contrário, ao imprimir o seu vocal limpo, melodioso e afinado aliado aos arranjos eletrônicos e coloridos que emanam de cada uma das treze canções, a cantora transforma Golden Hour em um verdadeiro "caldeirão da música moderna", mas tudo sem deixar de lado a sua personalidade.



Tomemos como exemplo Butterflies - terceira canção do disco e primeiro single. Ao utilizar a figura da borboleta (e sua metamorfose até chegar a vida adulta) como metáfora para os relacionamentos consistentes que ganham força com o passar do tempo, Kacey apela para versos de grande riqueza e que fogem do lugar comum. Now you're lifting me up instead of holding me down / Stealing my heart instead of stealing my crown / Untangled all the strings round my wings that were tied (algo como Agora você está me erguendo, em vez de me conter / Roubando meu coração em vez de roubar minha coroa / Desenrolou todas as cordas em torno de minhas asas que estavam amarradas), narra a artista com naturalidade apaixonante. E como se não fosse suficiente, no esperto, multicolorido e divertido refrão, ainda brinca com a expressão "borboletas no estômago", fechando o ciclo para aquela que, muito provavelmente deverá ser a música do ano para diversas publicações.

O expediente se repete outras vezes em músicas que falam sobre existencialismo (Oh, What a World), solidão (Lonely Weekend), liberdade nos relacionamentos (Space Cowboy) e sentimentos ambíguos (Happy and Sad). Aqui e ali é possível perceber como o registro alterna momentos mais sorridentes (a já citada Butterflies) e outros mais reflexivos (como no caso da inaugural Slow Burn). Mas o sentimento que temos ao escutar o disco é o de que as canções parecem estar conectadas como se formassem, juntas, um panorama dos relacionamentos, suas idas e vindas, da euforia a tristeza, da alegria a lamentação, numa espécie de "tecido" que forma a existência de cada um de nós. E que dialoga de maneira fácil, direta, descomplicada. Escutar Golden Hour é, verdadeiramente, experienciar uma "hora dourada". Assim como são aqueles momentos únicos com quem gostamos ou em que fazemos aquilo que nos dá prazer. É o tipo de sentimento que nos ocorre ao ouvir um dos discos do ano. Justamente o caso deste.

Nota: 9,3

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