De: Juliana Rojas. Com Fernanda Vianna, Mirella Façanha, Bruna Linzmeyer e Andrea Marquee. Drama, Brasil, 2024, 119 minutos.
Já falei pra vocês da dificuldade que tenho de me engajar - na falta de uma palavra melhor - em filmes que se passam no ambiente rural, mas que não retratam seus personagens, as figuras que trafegam naquele universo, de forma mais fidedigna. Mais realista, por assim dizer. Há toda uma complexidade na vida no campo que parece difícil de ser resolvida com meia dúzia de conveniências do roteiro. Ou com poucas explicações mais críveis para determinados comportamentos. E talvez seja por isso que tenha tido um sentimento meio misto com Cidade; Campo, mais recente obra da diretora Juliana Rojas - do ótimo As Boas Maneiras (2018) -, que aborda temas ligados à perdas, luto, memórias e fantasmas do passado. Isto a partir de duas histórias distintas que até não se conectam tão diretamente, mas que conversam com questões contemporâneas, que vão do êxodo urbano, passando por eventos ambientais extremos até chegar a casos como os de refugiados climáticos, que tem se tornado cada vez mais realidade no Brasil.
Como dito, o longa se divide em duas partes em que seus personagens realizam movimentos de migração - do campo para a cidade ou da cidade para o campo. Só que esses movimentos não ocorrem por livre iniciativa. Ou por vontade própria. São forçados. Invasivos. Agressivos. Especialmente no primeiro desses contos, em que a agricultora Joana (a ótima Fernanda Vianna), se vê obrigada a sair de sua cidade natal, no interior de Minas Gerais, após sua propriedade ter sido devastada por uma tragédia ambiental - no caso, o rompimento de uma barragem, que liberou toneladas de dejetos (como nos casos reais de Brumadinho e Mariana). Conseguindo escapar com vida, Joana se abriga na casa da irmã Tania (Andrea Marquee), que mora com seu neto Jaime (Kalleb Oliveira), um menino curioso, mas que pouco sabe sobre a vida no campo. Tentando se adaptar, Joana consegue trabalho em um aplicativo voltado à diaristas - que organiza faxinas em casas de dondocas.
Sim, ela se vê obrigada a deixar um ambiente idílico, onde produzia seu próprio alimento, aparentemente sem o uso de agrotóxicos, para enveredar em uma existência urbana, vazia, cinzenta - como é o espaço das cidades maiores, com suas rotinas repetitivas -, em que deve se submeter às exigências e violências cotidianas do capitalismo tardio. Que ganham um capítulo a parte quando uma situação de abuso é revelada. Melhor das duas histórias, essa primeira, por mais que confie nos silêncios e no dito pelo não dito, diz muito - e mesmo o apelo fantasmagórico e de realismo fantástico, tão típicos da realizadora, surgem aqui de forma orgânica, em memórias desconexas ou sonhos bizarros da protagonista (como no instante em que um cavalo aparece em pleno asfalto da madrugada, no concreto, numa daquelas dicotomias que servem como metáfora perfeita para a sua própria situação: perdida em um lugar que lhe é apenas estranho, que não lhe pertence).
Na segunda, e menos interessante das duas narrativas, o casal Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer), se muda para a propriedade rural do pai de Flávia, após a morte deste. O por quê exatamente elas decidem se manter na propriedade após a morte do familiar, nunca fica exatamente claro. Flávia era distante do genitor e a vida no campo, todos sabem, é difícil. Há vacas leiteiras, que dão leite todo o dia e, como vai ser isso dali pra frente? Não há amor que resista e não dá pra ficar muito no modo passeio e, vamos combinar, dá pra expiar as mágoas mesmo à distância, mesmo resolvendo as burocracias. Não é preciso experimentar a vida no campo para isso, ainda mais em um cenário desolador e quase inóspito de lavouras de soja ocupando o entorno, de terra empobrecida e seca e de ausências diversas (inclusive de conhecimento sobre o que o pai plantava ali, de fato). No mais, tudo parece só uma desculpa, uma conveniência, para que situações insólitas possam acontecer naquele ambiente - barulhos, aparições e outras abstrações que geram estranhamento apenas por gerar. Não sabemos muito das mulheres, de suas vidas, de seus passados, de suas trajetórias. Ou mesmo de como elas muito provavelmente sofreram pra chegar até ali. Onde estão agora tentando sobreviver. O que torna essa segunda parte meio oca, sem muito a entregar. Por mais que as intenções pudessem ser as melhores.
Nota: 6,5
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