De: Andrucha Waddington. Com Fernanda Montenegro, Linn da Quebrada, Thawan Lucas e Alan Rocha. Drama / Policial, Brasil, 2025, 112 minutos.
Uma idosa cansada da violência que ronda seu bairro (e seu apartamento) resolve ligar o foda-se e, como se fosse uma espécie de James Stewart em Janela Indiscreta (1954), decide filmar uma série de crimes cometidos a céu aberto por traficantes, na ideia de levar o material para a polícia para que alguma atitude seja tomada. Sim, a peculiaridade da trama de Vitória, inspirada no livro Dona Vitória Joana da Paz, de Fábio Gusmão, já seria digna de algum tipo de atenção. Mas a coisa se torna ainda mais interessante quando a protagonista é uma senhorinha de mais de 80 anos interpretada por ninguém menos do que Fernanda Montenegro. E, diga-se de passagem é meio que impossível dissociar a imagem verdadeira da nossa maior atriz de todas - fragilizada e com algumas limitações do alto de seus mais de 90 anos reais -, daquela que vemos em tela. Preocupada, com seus movimentos lentos, desconfiança permanente, olhar distante e medo onipresente.
Afinal, não deve ser fácil para uma idosa ser vizinha da bandidagem. Convivendo com o medo de abrir a própria janela, sob risco de um tiro de fuzil cruzar seu apartamento como se fosse parte do cotidiano. Para Nina (Montenegro), a vida nem sempre foi assim. Quando passou a residir na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, a frente de seu prédio era ocupada por uma vasta mata, de rica biodiversidade. Só que o morro se alterou com o passar do tempo. Com a violência passando a frequentar a sala de casa. No começo do filme, dona Nina - seu nome fictício é Maria Josefina dos Santos -, está tomando um chá, enquanto ouve um antigo disco de vinil. Em um espaço nostálgico, de memórias que não sabemos exatamente quais. Só que a tranquilidade é quebrada quando tem início um tiroteio que vara a madrugada. O que lhe impede de ter uma noite de sono satisfatória.
Indignada, dona Nina vai até a delegacia mais próxima, para denunciar o ocorrido. Mas um certo Major Messias (Alan Rocha), meio que ignora seu pedido, alegando não poder fazer nada sem que haja algum tipo de flagrante. Parece justo. De sua janela, a protagonista enxerga uma série de absurdos. Com tudo se tornando ainda pior quando Nina percebe que a má vontade de Messias - aliás, que nomezinho sugestivo - tem raízes mais profundas: corrompido, o sujeito é parte do sistema. Recebe propina dos traficantes pra fazer vistas grossas. E ignorar os crimes cometidos ali. Só que a idosa não desiste. Junta suas economias para comprar uma pequena câmera filmadora - aliás impactante perceber que esse aparato de última tecnologia custava a bagatela de R$ 2.999 em 2005 (algo próximo de dez salários mínimos) -, que gere as evidências necessárias para uma denúncia. Em uma das noites ela assiste um assassinato brutal. Que ela consegue filmar. E levar pra outra delegacia.
Toda essa movimentação acaba chamando a atenção de um repórter policial de nome Flávio (Alan Rocha), que resolve tentar ajudar no caso. Nina é alertada pelo adolescente Marcinho (Thawan Lucas), um jovem da quebrada - que tem alguma ligação com os traficantes do morro -, e que funciona como uma espécie de neto que a idosa nunca teve, de que ela corre risco de vida se levar seu plano de delação à cabo. Ela alimenta o menino, lhe dá dinheiro para pequenos trabalhos cotidianos (como ajudar a levar as compras) e mantém uma amizade próxima. Já a vizinha Bibiana (Linn da Quebrada) se aproxima da protagonista após um quebra pau na reunião de condomínio - que dá início a uma amizade inusitada, com direito a idas ao bingo e participação em bailes da matinê. Com tensão na medida certa e mesclando instantes bem humorados, com outros absolutamente comoventes, Andrucha Waddington reconstrói a história real Joana Zeferino da Paz, uma mulher determinada e destemida, que preserva um senso de justiça mesmo quando tudo parece querer desabar. Com a identidade mantida em sigilo pelo Programa de Proteção da Testemunha, Joana morreria apenas em 2023, aos 97 anos. Sem ter visto uma resolução real do problema da violência urbana no Rio de Janeiro. Aliás, no no País como um todo.
Nota: 7,5
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