segunda-feira, 3 de maio de 2021

Cine Baú - Tempos Modernos (Modern Times)

De: Charles Chaplin. Com Charles Chaplin, Paulette Godard e Henry Bergman. Comédia dramática, EUA, 1936, 87 minutos.

Mecanização, rotinas de trabalho exaustivas, luta por direitos, intolerância política, pobreza, doença. Desencanto. Alienação. Sim, esse combo todo pode até parecer um resumo dessa era aceleradíssima que vivemos. Mas também é aquilo que assistimos no clássico Tempos Modernos (Modern Times), o que comprova a atemporalidade da obra de Charles Chaplin. E, sim, já tá se tornando meio repetitivo falar do criador do vagabundo Carlitos aqui no Picanha - tem texto aqui e texto aqui -, mas o caso é que eu nunca canso de assistir aos seus filmes. Tratam-se, ao cabo, de experiências cinematográficas completas: a gente ri, se emociona, fica tenso, reflete sobre o contexto que vive, enfim, sobre a vida. Seu humor nunca vence. Suas críticas parecem sempre atemporais. E em tempos tão tecnológicos como os deste começo de século, chega a ser comovente perceber como um filme lançado há 85 anos ainda nos pega desse jeito. A gente fica o tempo todo naquele clima de "nossa, isso é muito atual".

Aliás, a obra já começa com uma cena clássica: centenas de trabalhadores entrando em uma indústria metalúrgica como se fossem um rebanho bovino indo pro abate. No local, Carlitos é um dos operários que atua em uma esteira onde deve repetir, mecanicamente, os mesmos movimentos monótonos durante toda a jornada - ao ponto de ele não conseguir se "desconectar" da rotina, quando o serviço se encerra (a cena em que ele surge obsessivamente apertando botões de casacos e de outros objetos nas ruas é ótima). Após um rebu envolvendo a melhor sequência do filme - quando o "peão" é convocado para experimentar um equipamento que visa a automatizar o horário do almoço (a engenhoca sai completamente de controle) -, Caritos vai parar, involuntariamente, em um protesto de trabalhadores nas ruas. Resultado: é preso acusado de, pasmem, comunismo! Sim, eu já disse ali no começo que o filme dialoga muito com os dias de hoje.

Após a temporada na prisão ele gosta tanto do tratamento dado pelos carcereiros - com alimentação, banho, um quarto limpo -, que quando ele é liberado faz um esforço para retornar para trás das grades. O que ele consegue ajudando uma jovem orfã (Paulette Godard) a se livrar de uma acusação de furto de pães. Sim, nos tempos pós Crise de 1929 as pessoas estavam desempregadas, miseráveis, precisavam comer. Sabe o Brasil do Bolsonaro? Mais ou menos isso. A partir do momento em que encontra a moça, serão várias idas e vindas entre prisões, desejos de alcançar a estabilidade financeira e luta pela sobrevivência. Duas carismáticas figuras errantes encontrando a felicidade nas pequenas conquistas - como da casa paupérrima que surge como opção no meio do filme. As criticas à brutal desigualdade social estão sempre lá: em meio a sorriso desajeitados, aos empregos inseguros, às incertezas sobre o futuro.

E Chaplin conseguiu tudo isso entregando uma verdadeira coleção de grandes sequências de cinema - resultado também de um criterioso desenho de produção e de uma trilha sonora que faz lembrar um Nine Inch Nails do começo do século. Pistões, alavancas, roldanas, esteiras e outras engenhocas surgem gigantescas em cena, como se fossem "engolir" os operários - e é quase o que acontece, quando Chaplin se vê fundido ao mecanismo que opera (foto acima). Já o som é caótico, entrópico, confuso. Não apenas da fábrica, mas também da rua, da balbúrdia, da rotina, dos carros e das pessoas. O filme é mudo, mas é o barulho acelerado que aprisiona, confunde. A crítica social tão contundente de Tempos Modernos fez com que Chaplin fosse, de fato, acusado de comunismo. Pior, durante o período que ficou conhecido como Caça às Bruxas - aquele promovido pelo senador Joseph McCarthy e que acompanhamos no ótimo Boa Noite e Boa Sorte (2005) -, precisou se exilar na Suiça. Já para a história ficou a atemporalidade da película, que é figurinha fácil em qualquer lista de melhores - na do American Film Institute ocupa a 78ª posição. Não é pouco.

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