quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Disco da Semana - Carne Doce (Tônus)

Aviso aos navegantes: o novo disco dos goianos do Carne Doce - intitulado Tônus - não é daqueles para escutar de forma desatenta enquanto realiza atividades domésticas ou descompromissadamente entre uma tarefa e outra no trabalho. Definitivamente não! O registro requer, pelo menos, um bom sistema de som ou, na ausência destes, um razoável fone de ouvidos para que, somente assim, se consiga perceber todas as nuances do registro. De espírito intimista, o terceiro trabalho - que dá sequência ao inaugural registro homônimo (2014) e ao inesquecível (e figurinha fácil entre os melhores do ano) Princesa (2016)- é rico em detalhes, em encaixes bem pensados, em curvas etéreas e nunca óbvias e em versos sussurrados que parecem se grudar a porção instrumental. É portanto um trabalho amplo e maduro que, sugere-se, não seja ouvido de forma displicente.

Por meio de entrevistas dadas a imprensa, a própria banda admite que, se comparado ao disco anterior, o novo trabalho olha mais "para dentro do que para fora", extraindo uma parte do compromisso político/ideológico/social - ainda que, jamais ignorando-o. "Não sou exatamente uma artista militante", afirmou a vocalista e compositora Salma Jô, em entrevista a Revista Isto É. "Parece paradoxal, mas acho que consigo emocionar mais quando olho para dentro, já que assim as pessoas se identificam", reforçou. Ainda assim, mesmo que num espectro menos amplo se comparado ao trabalho anterior - e a canções que viraram hinos feministas, como Falo e Cetapensâno - a banda, completada por João Victor Santana (guitarras e sintetizadores), Macloys Aquino (guitarra), Ricardo Machado (bateria) e Aderson Maia (baixo), segue erguendo bandeiras, como a autoexplicativa Golpista (que fecha o registro), deixa claro.



Mesmo "menos feminista" se comparado ao trabalho anterior, o disco parece manter a pegada do empoderamento (ô palavrinha que a gente não consegue um sinônimo decente) e da discussão sobre importância do respeito a igualdade entre gêneros, por meio de letras que falam de forma natural sobre a identidade feminina e sobre a sexualidade da mulher. Isto fica claro em letras como a de Amor Distrai (Durin) (E não apaga a luz / E nem fecha a porta / E vamo descobrir o que me excita / O que te excita / O que fazer pra ser mais foda), Tônus (Um corpo jovem / Aquele tônus / Aquele brilho / Um corpo pronto pro verão / É ofensivo ao coração) e Irmãs (Dos diários que eu roubei pra ler / Pra aprender as femininas invenções / Pra feminina ser como você / Blush nas bochechas e na zona T / Homem se cata pelo estômago / E se devora pelas beiradas). Aliás, a própria capa do disco, um trabalho visual estilizado feito de forma caseira, traz um tanto dessa ideia.

Com uma sonoridade capaz de nos fazer lembrar de coletivos nacionais como Boogarins e Terno Rei em uma mistura com estrangeiras como The War On Drugs, os goianos parecem a cada dia mais confiantes no que diz respeito a personalidade da banda, bem como os caminhos a serem seguidos - e apreendidos pelo público. Eventualmente melancólico, invariavelmente provocativo e de essência extremamente poética, o registro parece trafegar num limite entre a música alternativa mais íntima (com batidas, guitarras e sintetizadores econômicos) - como em Besta e Brincadeira -, com outros mais expansivos - como na já citada Tônus. "Esse é um sentimento que também reflete a nossa postura de não jogar com sentimentos óbvios, imediatos", analisa Aquino. Definitivamente, pra que tudo isso seja percebido da melhor maneira, somente sem distrações, com plena atenção aquilo que se faz - mais ou menos como o sexo, direto, cru e sem firulas sugerido pelo grupo em suas letras.

Nota: 8,3


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