segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Grandes Filmes Nacionais - Central do Brasil

De: Walter Salles. Com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Othon Bastos e Matheus Nachtergaele. Drama, França / Brasil, 1998, 105 minutos.

Lançado há 20 anos, Central do Brasil segue até hoje sendo um dos filmes mais importantes da retomada do cinema brasileiro, que iniciou em meados dos anos 90. Não apenas pelo sem fim de premiações que recebeu - foi consagrado o Melhor Filme em Língua Estrangeira no Globo de Ouro e foi Urso de Ouro no Festival de Berlim, só pra citar dois exemplos -, mas também pelo retrato desalentador e urgente de um povo que se esconde nos áridos rincões do Nordeste e/ou que convive com a pobreza dos grandes centros urbanos. E, ainda que o contexto seja de desesperança durante as quase duas horas de projeção, pode-se dizer que a obra máxima do diretor Walter Salles (que mais tarde filmaria Diários de Motocicleta) também é uma emocionante película sobre a amizade. E também sobre o poder transformador de nossas atitudes, capazes de modificar a vida daqueles que nos rodeiam para sempre.

Na trama somos apresentados a Dora (Fernanda Montenegro), professora aposentada (e bastante rabugenta) que complementa a sua renda escrevendo cartas para analfabetos na estação ferroviária que dá nome ao filme e que fica no Rio de Janeiro. Sem muita paciência com os seus clientes, Dora muitas vezes sequer envia as cartas que escreve, destinando-as ao lixo ou a uma gaveta (que dificilmente será revisitada). Em meio a sua rotina surge uma mulher de nome Ana (Sôia Lira) que,  acompanhada do filho Josué (Vinícius de Oliveira), tem a intenção de escrever uma carta para o ex-marido que reside no Nordeste, já que o filho sonha em conhecê-lo. Só que no momento em que está saindo da estação, Ana se distrai e é atropelada por um ônibus, deixando o menino no local. É nesse momento que, aos trancos e barrancos e, bastante a contragosto, Dora se aproximará do menino para tentar ajudá-lo a encontrar o pai.



Evidentemente que a tarefa não será fácil. Quando decidem rumar para o sertão nordestino, a nova (e improvável) dupla não tem sequer a certeza de que encontrará o endereço deixado por Ana. Com pouco dinheiro, dependerão da ajuda de outras pessoas - como no caso do caminhoneiro César (Othon Bastos) que, inicialmente amistoso, abandonará a dupla pela estrada quando perceber que a escritora está se apaixonando por ele. Nesse sentido, a película é cheia de idas e vindas e pequenas decepções (e reviravoltas) que ampliarão a sensação de isolamento e o sofrimento daqueles que assistimos. Mas como numa espécie de movimento inverso, quanto mais aprofundada e difícil se torna a viagem da dupla pelas vastas e áridas planícies do Nordeste - num verdadeiro road movie tupiniquim -, maior será a nossa empatia com eles. E não é por acaso que cada pequena conquista será celebrada, nem que esta seja uma maior aproximação entre Dora e Josué, conforme os dias avancem. Ou mesmo o indicativo de que a casa que procuram possa estar próxima.

Com interpretações assombrosamente naturalistas - não é por acaso que Fernanda Montenegro recebeu o Urso de Prata na categoria Melhor Atriz no Festival de Berlim e foi indicada ao Oscar na mesma categoria - a obra-prima ainda conta com uma série de personagens secundários interessantes, como no caso da melhor amiga de Dora, Irene (Marília Pêra) e o possível irmão de Josué, Isaías (Matheus Nachtergaele). E se a primeira servirá como um inesperado alívio cômico, o segundo inevitavelmente emocionará conforme as verdades vierem a tona. Com uma fotografia acinzentada no primeiro terço e empalidecida (e amarelada) do meio para o fim - cortesia do diretor de Fotografia Walter Carvalho -, a obra ainda utilizará o recurso, bem como a sua inesquecível trilha sonora que mescla piano e cordas, assinada por Antônio Pinto e Jaques Morelenbaum, como forma de evidenciar o estado de espírito daqueles que assistimos.


E se o componente social quase salta a tela - nunca é demais lembrar que o filme se passa durante a gestão FHC, período em que a inflação e a pobreza extrema atingiu números estratosféricos no País -, há também espaço para a crítica ao reacionarismo nauseante (cortesia do personagem Otávio Augusto, policial que não hesitará em assassinar um trombadinha por este ter furtado um pequeno aparelho de som de uma das bancas da Central). E, nesse sentido, a obra é inteligente ao mostrar a natureza sombria desse integrante da "família de bem" que, não surpreende, tem ligação com o tráfico de menores. Em um período em que, as vésperas das eleições, o País naufraga em uma de suas maiores crises - fruto de um Golpe que faz com que o trabalhador se fragilize e fique vulnerável socialmente - um filme como Central do Brasil permanece mais do que atual, em sua alegoria absurdamente tocante da esperança por dias melhores. Algo que nem a derrota para A Vida é Bela (1998), no Oscar do ano seguinte, apaga.

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