Filmes que abordam a temática do preconceito racial dificilmente se tornam datados, já que os avanços relacionados ao assunto ainda são poucos em um mundo que (ainda) precisa conviver com aberrações políticas como Donald Trump e Jair Bolsonaro - que, com seus comportamentos anacrônicos, ultrapassados e conservadores, parecem lamentavelmente "legitimar" o discurso de ódio às minorias. E se nos dias de hoje o respeito à igualdade entre os povos ainda parece uma utopia a ser alcançada, nos anos 60, época do lançamento do inesquecível clássico No Calor da Noite (In The Heat Of The Night), a situação era ainda mais grave. Nesse sentido, é louvável o esforço do versátil diretor Norman Jewison (Agnes de Deus) em transformar a sua película não apenas em um ótimo suspense policial, mas também em um verdadeiro documento de um período em que os americanos conviviam com o segregacionismo.
O filme começa com o industriário Philip Colbert (Lee Grant) sendo encontro morto, em plena rua, pelo policial Sam Wood (Warren Oates). Na tentativa de achar o culpado, Sam acaba conduzindo à delegacia um certo Virgil Tibbs (Sidney Poitier), simplesmente pelo fato de Virgil ser um homem negro, bem vestido, que está de posse de uma razoável quantidade de dinheiro e que aguarda na estação rodoviária que fica próxima ao local em que ocorreu o crime. Não demorará para que Sam e o seu superior - no caso xerife Bill Gillespie (Rod Steiger) - percebam estar diante de um grande equívoco, já que Virgil não apenas não é o assassino, como ainda é um detetive da polícia da Filadélfia, que estava no Sul dos Estados Unidos para visitar familiares. Especialista da área de homicídios, Virgil recebe ordens de seu superior para que ajude no caso - o que desagradará policiais, comunidade, famílias de bem e bolsominions americanos, que tentarão de todas as formas boicotar o trabalho do sujeito.
Será na conturbada relação entre Gillespie e Tibbs que residirá a força da película, que faturou a premiação máxima no Oscar de 1968 - deixando para trás outras produção estrelada por Poitier, no caso Adivinhe Quem Vem Para Jantar (1967). O xerife local não admite que um negro trabalhe com ele ou que lhe dê ordens. Ao mesmo tempo, é inegável a admiração com que ele encara o seu parceiro de investigação que, com inteligência e perícia, vai fechando o cerco e descartando suspeitos que, presos, poderiam servir apenas como "bodes expiatórios". Ainda assim, a obra jamais alivia no preconceito, escancarando o ódio boçal que brancos sentiam (alguns ainda sentem) na convivência com negros - e não é por acaso que, em certa altura, um dos principais suspeitos do crime lembra os tempos em que "mandaria fuzilar" um sujeito tão "indolente" quanto Virgil. Uma das tantas perseguições que o jovem sofrerá na interiorana e retrógrada Sparta durante a sua estada.
Com ótima montagem - do editor Hal Ashby que, mais tarde, se tornaria um importante diretor - o filme ainda engendra uma ótima sequência de eventos que surpreendem, mantendo o espectador até os últimos minutos sem saber quem é o verdadeiro culpado pelo assassinato (não por acaso, o roteirista Stirling Silliphant também faturou o Oscar). Com cenas até hoje inesquecíveis e violentas - como aquela em que Bill "salva" Virgil do ódio de quatro rapazes na estação ferroviária - a obra ainda tem trilha sonora inesquecível (cortesia de Quincy Jones) e música tema de Ray Charles daquelas para ouvir no repeat por horas. Já as interpretações são um verdadeiro show. Poitier, com seu semblante naturalista é capaz de transmitir MUITO apenas com o olhar e com gestos sutis. Já Steiger foi agraciado com o Oscar, talvez motivado pelo arco dramático redentor pelo qual o seu personagem passa (provavelmente um sonho secreto quase fantasioso do americano médio). No final das contas, em meio a alguns avanços, o fato é que No Calor da Noite, 75º colocado na lista de 100 melhores da história lançada pelo American Film Institute em 2007, se mantém dolorosamente atual.
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