No cenário pós-apocalíptico apresentado na ótima ficção científica Filhos da Esperança (Children Of Men) as mulheres não conseguem mais engravidar. O por quê? Ninguém sabe. Os pesquisadores especulam sem sucesso. Poluição? Aquecimento global? Algum tipo de vírus? Ou o excesso do uso de agrotóxicos? Difícil adivinhar, mas o caso é que no cinzento mundo de 2027 a pessoa mais jovem do planeta é um jovem argentino de 18 anos, quatro meses e alguns dias que, por se recusar a atender os "fãs", acaba assassinado no começo da película. Imagens do Baby Diego (como era conhecido) são reprisadas em todos os canais e a humanidade convive com o medo crescente de assistir a sua própria extinção. A sensação de caos é ampliada por uma espécie de permanente "crise de refugiados" - talvez fruto de algum tipo de guerra ou de escassez de recursos. Uma bomba explode em um bar da cidade e o burocrata Theodore (Clive Owen) escapa da morte por pouco. É só o começo.
Após um encontro com o amigo e cartunista aposentado Jasper (Michael Caine ótimo, em estilo riponga), Theo é procurado (ou sequestrado) por sua ex-esposa Julian (Juliane Moore), uma ativista social que solicita que o homem lhe ajude com os documentos de uma refugiada. Há segredos relacionados ao passado envolvendo os dois e a oferta de uma quantia de dinheiro fará com que ele aceite a "missão". Após ser atacado por um "falso" bando de nacionalistas (na verdade o ataque é perpetrado por revolucionários chamados de Peixes), o protagonista descobrirá que a refugiada, de nome Kee (Clare-Hope Ashitey), está grávida de oito meses. A gravidez certamente despertará a atenção de muita gente - Estado, forças armadas, grupos extremistas - e caberá a Theo a tarefa de auxiliar a jovem a chegar ao Tomorrow (embarcação de nome sugestivo), que lhe conduzirá em direção aos Açores, onde pesquisadores trabalham no chamado "Projeto Humano", que busca a cura para a infertilidade. Ufa!
Sim, há bastante informação o tempo todo nessa pequena obra-prima moderna do diretor Alfonso Cuarón que, somente pelo fato de fazer a crítica à forma como utilizamos a tecnologia e os nossos recursos - e sobre como, consequentemente, poderemos acabar com o mundo em que vivemos por causa disso -, já mereceria todo o crédito. Mas Filhos da Esperança também é uma verdadeira obra de arte do ponto de vista técnico. Com o uso quase ostensivo de uma câmera subjetiva e com a adoção de longos planos sequência - aquele dentro de um carro é inacreditável de tão bem feito - o diretor parece nos colocar DENTRO da ação. Já a fotografia (cortesia de Emmanuel Lubezki) adota uma paleta de cores permanentemente acinzentada, capaz de denunciar o estado de espírito de praticamente todos aqueles que vemos em tela (aliás, vocês já perceberam como nos filmes de ficção científica as metrópoles geralmente são frias e acinzentadas?). Já a inesquecível trilha sonora é cheia de peças modernas e caóticas de artistas como Aphex Twin e Radiohead.
Ao equilibrar momentos mais contemplativos com outros em que há grandes doses de ação, Cuarón também cria uma dinâmica bastante particular para a sua película - que trafega com graça por momentos mais descontraídos (como aquele em que é contada uma piada envolvendo cegonhas) com outros, envolvendo mortes, tiros e explosão. E se o componente social quase salta da tela (a questão dos imigrantes ilegais não poderia ser mais atual), a obra também se firma como uma espécie de inesperada elegia religiosa em certa altura do filme - em uma das tantas belas sequências. Indicado ao Oscar nas categorias Roteiro Adaptado (do livro homônimo de P. D. James), Fotografia e Edição nas premiações de 2007, a película ainda brinca ao utilizar a destruição das artes e a iconoclastia como uma metáfora perfeita para uma sociedade que olha com descaso para a cultura e para a educação (que o diga o Michelângelo "perneta", um representativo Guernica, de Picasso, ou a inesperada aparição da capa do disco Animals, do Pink Floyd, que nada mais é do que a referência ao clássico A Revolução dos Bichos, de George Orwell). Simplesmente arrebatador.
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