quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Cine Baú - No Silêncio da Noite (In a Lonely Place)

De: Nicholas Ray. Com Humphrey Bogart, Gloria Grahame, Martha Stewart e Frank Lovejoy. Suspense / Drama, EUA, 1950, 93 minutos.

Ainda que o diretor Nicholas Ray tenha se consagrado com o lançamento de Juventude Transviada (1955), é possível afirmar que o caminho para a construção do clássico da contracultura foi pavimentado com uma série de "pequenos grandes filmes", como é o caso do suspense No Silêncio da Noite (In a Lonely Place). Película com ares hitchcokianos - sentimento amplificado pela ocorrência de uma morte e de um protagonista cheio de ambiguidades que pode, ou não, ser o culpado - o filme conta a história do roteirista Dixon Steele (Humphrey Bogart), sujejto reconhecidamente intempestivo e de pavio curto que, em seu meio, não tem paciência sequer para ler um livro que, futuramente, poderá ser adaptado. Essa condição é um complicador para a sua carreira - e para  e o relacionamento com diretores e astros de Hollywood -, que está em declínio.

A oportunidade para uma volta por cima surge com a oferta de roteirizar um livro de sucesso, o que Dixon fará a contragosto, contando com o auxílio da garçonete Mildred Atkinson (Martha Stewart), que irá atá a casa do sujeito para contar a história com as suas palavras. Após uma noite breve de conversa e de encenação de diálogos, Martha sai da casa de Dixon, pega um táxi e... amanhece morta, estrangulada e jogada de dentro do carro em uma vala. O problema é que, dado o temperamento difícil do protagonista - que de quebra ainda tem um histórico de passagens pela polícia por brigas e por agressões a mulheres -, ele se tornará um dos principais suspeitos do crime, já que foi uma das últimas pessoas vistas por Mildred. A sua sorte será a existência de um inesperado álibi: a vizinha Laurel Gray (Gloria Grahame), que garantirá a polícia que Steele não está envolvido com o caso. Será?



Esse sentimento de "será que foi ele o criminoso?" será, inadvertidamente, uma das maiores diversões da película - algo parecido com o que sentimos ao assistir obras-primas como Suspeita (1941), do já citado Alfred Hitchcock. Após defender Dixon, Laurel se aproximará do vizinho, se tornando seu amante. Mas o comportamento imprevisível e violento do sujeito fará com que ela tenha dúvidas o tempo todo a respeito de sua inocência. E, para o espectador, assistir à personagem de Bogart (em inesquecível caracterização) explodindo de forma brutal e descontrolada após uma briga de trânsito, ou mesmo agredindo o seu empresário por não estar de acordo com uma "escolha" durante a produção do futuro filme, também deixará a pulga atrás da orelha. Sentimento que será amplificado na inesquecível cena em que Dixon, o investigador Nicolai (Frank Lovejoy) e a sua esposa Sylvia (Jeff Donell) reconstituem o crime, bem como os detalhes de como este pode ter acontecido.

[SPOILER ALERT] Mais do que saber se Dixon é ou não o culpado, um dos grandes trunfos da obra está na nossa percepção em relação aquilo que ele poderia ter sido, se as circunstâncias do roteiro não seguissem da forma como ocorrem. Em tempos em que ainda assistimos tão estarrecidos a casos revoltantes de agressões à mulheres - e isso que a Lei Maria da Penha está completando 10 anos - um filme como No Silêncio da Noite deveria se tornar filmografia básica para a compreensão de que, diante de qualquer tipo de violência ou de ameaça - física, psicológica ou moral - uma mulher SEMPRE deve procurar ajuda. Dixon não é o assassino, mas assim como o ex-namorado de Mildred, que é o verdadeiro criminoso, ele se comporta como um assassino potencial. No fim das contas, a cena e Laurel indo embora do apartamento de Dixie após uma ligação telefônica reveladora, será, definitivamente, o melhor desfecho possível para uma obra de grande impacto - e que mantém atual até os dias de hoje.


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