sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Picanha em Série - Tábula Rasa (Tabula Rasa)

De: Jonas Govaerts e Kaat Beels. Com Veerle Baetens, Jeroen Percival, Gene Bervoets e Stijn Van Opstal. Suspense policial / Terror, Bélgica, 2017, 450 minutos.

Quem gosta de séries de mistério, com boas doses de suspense policial e com algumas (ótimas) reviravoltas não pode deixar de assistir a belga Tábula Rasa (Tabula Rasa). Tão discutido por filósofos das mais variadas correntes - de Aristóteles a John Locke -, o conceito de tábula rasa pode ser definido como "folha de papel em branco" (para Locke nascíamos sem conhecimento algum, sendo todo o processo do saber, aprendido através das experiências). Divagações a parte, de alguma forma, é possível afirmar que, metaforicamente, este é o caso da protagonista Mie (Veerle Baetens). Presa em um hospital psiquiátrico onde recebe tratamento para um caso de amnésia que faz com que ela não se lembre de eventos recentes, Mie, uma artista de renome no passado, é investigada por um certo inspetor Wolkers (Gene Bervoets), já que ela teria sido a última pessoa vista com Thomas De Geest (Jeroen Percival), um empregado de um centro de reciclagem.

Mie não se lembra de nada, mas precisa buscar de qualquer forma em sua memória por alguma pista que possa levar a solução do caso. Só que "buscar na memória" significa reconstruir um passado sombrio que envolve ainda um grave acidente automobilístico, que pode estar diretamente relacionado ao problema psiquiátrico. Parece "rocambolesco" e eventualmente complexo, mas a série é absolutamente didática e inegavelmente fácil de se compreender. Com idas e vindas no tempo, a trama retorna para três meses antes do desaparecimento de De Geest para mostrar a chegada de Mie, do marido Benoit (Stijn Van Opstal) e da filha Romy (Cécile Enthoven) a uma casa - aquele clichê da nova morada para curar feridas ainda abertas. Só que a presença de um misterioso guarda florestal em redor da casa, somado a uma série de eventos que flertam levemente com o sobrenatural, adicionarão um forte componente claustrofóbico a trama - reforçado pelo clima sufocante de cada cômodo -, levando a protagonista a duvidar da "realidade" em que vive.



A cada ida e vinda no tempo - as tramas correm paralelamente -, novas revelações vão sendo feitas, cabendo ao espectador montar o quebra-cabeças capaz de solucionar o caso (e as anotações feitas por Mie, com caneta esferográfica, também contribuirão nesse sentido). Com belíssimo desenho de produção, Tábula Rasa se utiliza ainda de uma série de elementos visuais para, metaforicamente, sugerir o sentimento que rege a busca da protagonista. Nesse sentido, a produção se torna quase como se fosse um devaneio delirante e fantasioso - e não são poucas as vezes em que Mie acorda de algum sonho surrealista e cheio de sentidos. Se a areia vermelha que escapa de seu alcance e insiste em aparecer pode representar as memórias que lhe fogem como o tempo em forma de areia se esvai em uma ampulheta, o uso quase ostensivo de roupas vermelhas por Romy pode significar muito mais do que uma mera escolha estilística por parte dos figurinistas.

Já os atores estão soberbos, com um sem fim de personagens secundários que merecem destaque - caso do piromaníaco Vronsky (Peter Van Den Begin) e da mãe da protagonista Rita (Hilde Van Mieghem) que, surpreendentemente, garante alguns alívios cômicos para a trama (especialmente por sua excêntrica relação com Mozes, o enfermeiro do marido). Há ainda uma misteriosa psiquiatra que responde pelo sobrenome de Mommaerts (Natali Broods) e que pode ser a chave para que o caso seja solucionado. Com apenas nove episódios de cerca de 50 minutos cada um, Tábula Rasa é uma série bem construída, rica em elementos e que provoca sustos nunca de maneira óbvia - e certamente será impossível qualquer espectador não ficar com os cabelos em pé, ao ouvir o equipamento eletrônico de uma porta pedindo, repetidamente, para que esta seja fechada.

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