Em épocas de Black Mirror e de novas tecnologias sendo apresentadas ao mundo de maneira exponencial, assistir a um filme como o ingênuo Vizontele: A Confusão Está no Ar (Vizontele), não deixa de ser uma experiência divertida. Aliás, é uma verdadeira pérola escondida em algum canto da Netflix, ideal para aqueles que procuram um filme leve, despretensioso e, ainda assim, surpreendente. A trama nos joga para uma comunidade no interior da Turquia - mais precisamente na Anatólia -, onde residem tipos diversos, como o técnico em eletrônica com problemas mentais, o dono de loja mão-de-vaca metido a conquistador, o feirante que tem suas melancias seguidamente roubadas por um grupo de moleques travessos, o clérigo gago e o prefeito (Erkekli) que tenta atender os munícipes, em meio as confusões promovidas pela sua própria família.
O anúncio da chegada da primeira antena de televisão (e do equipamento) na região coincidirá com a ida dos jovens para a guerra. E desencadeará uma onda de curiosidade entre os moradores do local. Aqueles que já ouviram falar sobre o eletrônico garantem ser como "o rádio, mas com fotografia", sendo possível assistir ao cantor preferido ao mesmo tempo em que se ouve ele. Outros ficam mais céticos, como o ambicioso dono do cinema local, de nome Latif (Baskim), que acredita que esta não passará de uma moda passageira. Ainda assim, todos os moradores da comunidade se reúnem no dia da primeira exibição pública de TV que, como não poderia deixar de ser, dá errada, numa das sequências mais divertidas da trama (e que envolve a equipe da prefeitura escalando os maiores morros do entorno, na busca por um melhor sinal de captação para a antena).
Nesse sentido, os diretores Ömer Faruk Sorak e Yilmar Erdogan são pródigos ao tratar a obra - que trafega no limite do nonsense - sem nenhum tipo de cerimônia, transformando cada sequência em uma mini-esquete que busca fazer o espectador rir (como se a surpresa dos moradores pela novidade tecnológica que os alcança, já não fosse engraçada o suficiente). Aqui e ali, no comportamento (ou mesmo no figurino) curioso de cada um, é possível encontrar ecos de cineastas distintos como Jean Pierre Jeunet ou mesmo dos Irmãos Coen. Ainda que tudo ocorra em meio a aridez do Oriente, evidentemente, e conte, ainda, com uma forte crítica ao secularismo reinante no País. E, ainda assim, não deixa de ser divertido perceber que, mesmo cenas batidas, como a do jovem que cai de cima de um telhado após acordar (!), se tornam hilárias pelas mãos da dupla de realizadores.
Aliás, a graça do filme, ainda que este possa soar excessivamente conservador, está mesmo em "fazer graça", como na cena em que os alunos imitam a gagueira do rabino durante as aulas de Alcorão ou mesmo quando o prefeito elogia os grosseiros óculos de um dos moradores locais. Com cortes curtos e curiosos ângulos de câmera - repare na montagem durante uma das primeira cenas, em que o eletricista Emin (o próprio Erdogan), desce uma lomba de bicicleta - a obra apresenta, ainda, um melancólico choque de realidade no terço final, quando a televisão funciona, de fato, pela primeira vez. Nela são exibidas as notícias do dia e, como sabemos até os dias de hoje, elas nem sempre serão as melhores. O equipamento cumpre o seu papel e a realidade, dura para com todos que ali residem, será bem diferente dos filmes exibidos no cinema por Latif.
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