segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Cinema - 120 Batimentos Por Minuto (120 Battements par Minute)

De: Robin Campillo. Com Nahuel Perez Biscayart, Arnaud Valois, Adéle Haenel e Antoine Reinartz. Drama, França, 2017, 143 minutos.

Em certo momento do ótimo 120 Batimentos por Minuto (120 Battements par Minute) ocorre uma campanha de prevenção em uma escola de ensino médio, com o objetivo de alertar para os riscos de contrair um vírus como o HIV. Uma das alunas, ao ser abordada por um dos integrantes do coletivo que organiza o ato e que pretende lhe entregar um folheto sobre o assunto, responde sem pestanejar: "eu não preciso disso, eu não sou viado". A desoladora sequência ilustra bem a falta de conhecimento - pra não dizer ignorância completa - que reinava, quando começaram a surgir os primeiros casos de AIDS ao redor do globo. Como se estivesse atrelada exclusivamente aos chamados "grupos de risco" - homossexuais ou usuários de drogas - a doença não estava exatamente na ordem do dia do debate público, sendo relegada aos bastidores ou as entidades independentes, que lutavam para chamar a atenção para o tema.

A obra - representante da França na corrida pela estatueta de Melhor Filme em Língua Estrangeira (já fora da pré-lista, assim como o nosso Bingo - O Rei das Manhãs) - volta no tempo, mais especificamente para o final dos anos 80 ou início dos 90, para mostrar os bastidores de uma Organização Não Governamental chamada Act Up, que procurava das visibilidade para a questão. A França, na época governada por François Miterrand, sofria com um aumento alarmante do número de pessoas infectadas com o vírus, condição que a colocava no primeiro lugar na Europa, em relação ao número de novos casos. E, mesmo com esta condição, o que parecia haver era o descaso dos governantes que, por preconceito ou negligência, não destinavam recursos, não organizavam campanhas e não apresentavam políticas públicas suficientes com vistas a conscientizar a população.



Assim, o Act Up acabava sendo esse organismo de "divulgação". Que, muitas vezes, ia para as ruas para protestar ou mesmo invadia conferências sobre o assunto para se manifestar. Ocorre que, em muitos casos, as coisas saíam completamente do controle, como no episódio que envolve a ocupação de um andar inteiro do escritório de uma indústria farmacêutica. Ainda que a intenção fosse das melhores, havia a preocupação dos líderes do grupo - entre eles Sophie (Haenel) - em transformar cada ato, ainda que eventualmente violento, em algo positivo. Ou ao menos capaz de gerar uma imagem favorável junto a opinião pública. O que nem sempre ocorria, como no episódio em que, num ato de destempero, um dos jovens integrantes do coletivo arremessa uma bexiga com "sangue" (falso) em um palestrante, durante um simpósio sobre novidades em relação as pesquisas sobre o HIV.

A propósito desse episódio, os debates dentro da sede da ONG, ou mesmo a forma como esta se organiza para transformar o seu esforço em algo significativo - especialmente para uma causa que certamente não será a deles (e sim das futuras gerações que também sofrerão com a doença) - são alguns dos motivos que tornam 120 Batimentos por Minuto tão importante. Ainda que o assunto seja sério - e o diretor Robin Campillo não alivia nas cenas mais pesadas envolvendo os doentes ou mesmo os efeitos colaterais de drogas hoje consideradas ultrapassadas - a obra nunca descamba para a pieguice ou para a excessiva melancolia. Ao contrário, em meio aos dias de luta, os jovens do coletivo se divertem, vão a festas, transam e até comentam sobre outros integrantes do grupo de forma engraçada, como na impagável sequência em que dois jovens analisam as excêntricas poses de um fotógrafo presente em uma manifestação.


É um filme realista, urgente, e até mesmo divertido sobre um período turbulento e sobre uma doença que, até hoje, gera dúvidas. E também sobre o poder do ativismo. E a abordagem de Campillo sobre o tema, trazendo os diversos ângulos do debate, busca nunca demonizar ninguém, ainda que o vilão poderia ser, vá lá, o Governo, que talvez pudesse destinar um esforço maior nas campanhas de prevenção. Ou mesmo a indústria farmacêutica que poderia não pensar apenas no quão rentável seria o lançamento de uma nova droga em um evento internacional que ocorrerá dali a alguns meses (enquanto jovens morrem nas filas de espera por medicamentos melhores). Ah, e quase ia esquecendo, a interpretação do argentino Biscayart como o protagonista Sean é daquelas capaz de nos levar do riso as lágrimas em poucos segundos. Impossível não ter empatia.

Nota: 8,5

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