terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Cinema - Roda Gigante (Wonder Wheel)

De: Woody Allen. Com Kate Winslet, James Belushi, Justin Timberlake e Juno Temple. Comédia dramática, EUA, 2017, 102 minutos.

Costumo dizer que os filmes do Woody Allen são mais ou menos como o cinema francês: mesmo os menos legais são bons de ver. Se Roda Gigante (Wonder Wheel) não chega a ser um um Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), um Zelig (1983) ou mesmo um Meia Noite em Paris (2011), por outro lado é uma experiência bacana e que tem nas interpretações uma de suas maiores forças. Especialmente a Kate Winslet que parece confirmar a cada filme, por menor que seja, a sua ampla capacidade para a concepção de personas as mais diversas. Na trama ela é Ginny, uma atriz frustrada que trabalha como garçonete em um parque de diversões localizado na praia de Coney Island, em Nova York. No segundo casamento - com o operados de carrossel Humpty (James Belushi) - ela ainda sonha com um "papel" que possa ser maior do que que aquele apresentado pela vida real, que bate a porta, a obriga a fazer a janta, cuidar do filho, entrega boletos e a esgota permanentemente.

Essa esperança por dias melhores ressurge quando entra em cena o salva-vidas Mickey (vivido de forma apaixonada por Justin Timberlake) - que, a propósito, é o narrador da história. Mickey sonha em ser poeta e escritor e conhece Ginny na praia, em um dia de chuva, ocasião em que a "salva". E, além de salvá-la, passa a ter um caso com ela. Tudo vai correndo mais ou menos bem nessa história de adultério até o momento em que ressurge na vida de Ginny e Humpty - que moram no parque em que trabalham - a jovem Carolina (Juno Temple), filha do primeiro casamento do personagem de Belushi. Não bastassem as ligações da jovem com a máfia italiana - motivo pelo qual ela foi renegada pelo pai na juventude - ela ainda viverá as turras com Ginny, situação que só piorará quando ela se mostrar extremamente empolgada por ter conhecido... Mickey! Sim, como em muitos dos filmes de Allen, as questões centrais envolvem relacionamentos e pessoas buscando a felicidade a partir deles.



É uma trama simples, mas ao mesmo tempo tempo cheia de nuances mostrando pessoas que, de alguma forma, tentam sair do lugar que estão mas sem conseguir - numa metáfora perfeita para a roda gigante que dá nome ao filme e que inicia a sua volta para, inevitavelmente, retornar para o mesmo lugar. Também é um filme escolhas e sobre como elas determinam aquilo que se seremos (ou poderíamos ter sido), em nossas vidas. São personagens inquietos e inseguros vivendo em um contexto que força uma ou outra reflexão. Como de praxe nas obras de Allen, além das citações literárias (aqui, em especial, à obra de Eugene O'Neill), a tradicional cartela de abertura, a trilha sonora de jazz, os diálogos bem-humorados e a quebra da "quarta parede" (dessa vez Timberlake é o alter-ego do diretor) fazem com que este se torne mais um genuíno exemplar da obra do nova-iorquino.

Passada nos anos 50, a película recria bem a cenografia e os figurinos da época, chamando a atenção também pelo grande número de "extras" - o que pode ser visto já na primeira cena do filme, ocasião em que um travelling nos apresenta a centenas de pessoas que curtem a praia (e isso que Allen é famoso por não gastar muito). Já a fotografia de Vittorio Storaro - que já havia trabalhado com o diretor no divertido Café Society (2017), seu filme anterior - é um show a parte. Utilizando-se cores vivas (e quase estouradas), o diretor de fotografia reforça o aspecto multicolorido de um parque de diversões para também utilizar as cores para mostrar o estado de espírito daqueles que vemos em cena. Reparem como mesmo em uma sequência noturna - cpmo aquela que mostra Ginny e Mickey transando à luz do luar no cais do porto - conta com uma paleta vibrante e de tons variados. O mesmo vale para a melancolia da personagem de Winslet, especialmente no terceiro ato, que é reforçada por uma paleta mais simples, ou mesmo de cores monocromáticas.


A propósito de Winslet, o show, no fim das contas é dela mesma - e não chega a surpreender a grande capacidade de Allen de criar mulheres fortes (e não por acaso, muitas atrizes, como Diane Keaton, Penelope Cruz e Cate Blanchett já faturaram o Oscar em "suas mãos). A atriz transforma Ginny em um poço de nervos capaz de, em questão de segundos, passar da euforia da paixão quase juvenil para a raiva profunda quando as coisas não saem como ela espera - como na cena em que ela presenteia Mickey com um relógio. Da mesma forma, não deixa de ser divertido o exercício metalinguístico como no caso em que a vemos "ensaiando" falas que seriam ditas ao salva-vidas e que soam quase artificiais, mesmo para quem se pretende ser atriz (e a nossa percepção dessas pequenas inflexões que a diferenciam, servem apenas para reforçar a qualidade da interpretação de Kate). [SPOILER ALERT] Mas, nesse sentido, nada supera aquilo que vemos no terço final quando, frustrada, Ginny se transforma em uma espécie de Norma Desmond - personagem mítica vivida por Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950). Vociferando frases de forma verborrágica (e quase sem sentido) sobre como Mickey deveria amá-la ou não e sobre como agora seria tarde para ele ir atrás dela para tentar reconquistá-la, ela transforma a sequência quase em uma alucinação surrealista - pra não dizer filme de terror! E tudo isso com a maquiagem borrada que, somada ao caminhar desorientado, serve apenas para acentuar o seu (aparente) desequilíbrio psicológico. Uma verdadeira aula de interpretação.

Nota: 7,5

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