Em um mundo cheio de intolerância, de ódio e de "bandido bom é bandido morto" como o que vivemos hoje em dia, um clássico como Consciências Mortas (The Ox-Bow Incident) não poderia ser mais atual. Lançada há 75 anos, a obra-prima do diretor William A. Wellman leva os filmes de faroeste a um outro patamar ao discutir com propriedade o tema da ineficácia da justiça com as próprias mãos e da importância do cumprimento das leis como forma de preservar a manutenção da vida em sociedade. A trama nos joga para o ano de 1885, numa pequena cidade do estado de Nevada. No local, se espalha a notícia de que um fazendeiro da região teria sido assassinado por de ladrões que, de quebra, ainda teriam roubado o rebanho. Na ausência do xerife local, um grupo resolve ir atrás dos bandidos com o objetivo de acertar as contas no modo "olho por olho, dente por dente".
Em sua jornada, o grupo de "justiceiros" - capitaneado pelo major Gerald Tetley (Conroy) - encontra o trio que teria cometido o crime. Todos são interrogados e o líder do grupo, de nome Donald Martin (Andrews), garante não ter nada a ver com o assunto, reforçando o fato de que as vacas que conduzem em seu comboio teriam sido compradas (ainda que a ausência de uma nota de venda torne tudo mais nebuloso). Tetley e seu grupo não acreditam na história, ainda que alguns sujeitos como o pastor negro vivido por Leigh Whipper tentem, em vão, demover os linchadores de seus objetivos. O dia amanhece com o trio sendo morto por enforcamento pela turba enfurecida, instantes antes de o xerife (Robertson) encontrar o grupo para revelar que o rancheiro estava vivo e que os ladrões de gado que invadiram a sua propriedade já haviam sido capturados.
Ainda que curta - a obra tem apenas 75 minutos -, a película frequentemente é lembrada como um dos maiores líbelos da história moderna contra a estúpida ideia do linchamento público e da justiça com as próprias mãos. Palpável, o sentimento de vergonha de todos os participantes dessa jornada em busca de "isonomia", se torna ainda maior quando o caubói Gil Carter (Fonda) lê a carta que Martin endereça a sua esposa (ele também tem duas filhas), como um de seus últimos atos. Em desespero, tenta entender o que move os homens que pretendem lhe retirar a vida, tendo a certeza de que, mais tarde, conviverão com a culpa, após a revelação da verdade. Da mesma forma não deixa de ser tocante o desespero do personagem vivido por Francis Ford, um velho com problemas mentais que repete, como num mantra, a frase "eu não quero morrer".
É um filme sem final feliz, desalentador, melancólico e que fala, de forma direta, sobre a estupidez humana diante da urgência do sentimento de justiça. Mas de que maneira o assassinato sem prova alguma de qualquer delito pode representar a redenção? Wellmann enche a tela com personagens secundários interessantes - como aquele vivido por Jane Darwell, uma inabalável criadora de gado. Já Fonda constrói Carter como um sujeito de personalidade múltipla - e se no começo do filme nutrimos certa antipatia por ele, que mostra certa rebeldia em uma briga de bar, ao final estamos ao seu lado, na defesa dos inocentes - ao menos até que se prove o contrário. Indicado ao Oscar na categoria principal na cerimônia de 1944, o filme só foi perder para um certo... Casablanca. Mas em termos de impacto, de relevância e de magnitude, essa pequena obra-prima - que aparece no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer - segue sendo insuperável.
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