quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Tesouros Cinéfilos - Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual (Medianeras)

DE: Gustavo Taretto. Com Javier Drolas, Pilar Lólez de Ayala e Inés Efron. Comédia romântica, Argentina / Espanha / Alemanha, 2011, 95 minutos.

Poucas vezes a juventude solitária, mas que mantém a esperança - especialmente no amor - em meio a um mundo cheio de pessoas e povoado pela tecnologia, foi tão bem descrita como magnífico Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual (Medianeras), verdadeira obra-prima do cinema moderno argentino. Ainda que seja eventualmente pessimista em seu tom e no olhar para seus protagonistas - o webdesigner e fotógrafo ocasional Martin (Javier Drolas) e a arquiteta e vitrinista Mariana (Pilar López de Ayala) -, a película mantém um permanente clima de ternura e de leveza capaz de tornar a experiência não menos do que deliciosa. É um filme que traça um paralelo entre a arquitetura e o eventual crescimento desordenado e sem nenhum planejamento dos grandes centros, com as vidas das pessoas que também surgem desalinhadas, confusas, cheias de dúvidas, de fobias, de doenças e vivendo um sem fim de frustrações. E, pior: como encontrar o amor em meio a esse caos, especialmente após relacionamentos fracassados?

Mas a melhor notícia: não se trata de um drama pesado. Muito pelo contrário, ao adotar uma postura absolutamente literal em sua abordagem, o diretor e roteirista Gustavo Taretto transforma Medianeras em uma experiência gráfica que dialoga com o seu tempo e que é capaz de apresentar as metáforas - quase esfregadas na cara do espectador - de uma forma fluída, orgânica e totalmente deliciosa. Em resumo, é aquele filme gostoso de assistir. Mariana gosta de abrir o seu livro de Onde Está Wally? para procurar o famoso personagem nos mais variados locais - seja em shoppings, na praia ou no aeroporto. Bom, não é preciso ser nenhum gênio para supor que o "Wally" que ela nunca encontrou em uma daquelas páginas, poderá ser justamente o sujeito que encherá de cor os seus dias - assim como ocorre com as multicoloridas páginas de tal publicação.


Sim, é um filme romântico por excelência. Mas nunca aquele romantismo brega, piegas ou clichê. Tá, talvez um pouquinho. Mas é uma obra adorável e doce, que acompanha a rotina solitária dos personagens - Martin gosta de jogar videogame e assistir Astro Boy e faz um bico como cuidador de cachorros, enquanto Mariana se esforça para aturar um vizinho de prédio que gosta de executar música clássica ao piano -, bem como seus encontros e desencontros (eles são vizinhos). São duas pessoas aparentemente infelizes, com muitas diferenças, e que devem aprender diariamente a enfrentar um mundo que nem sempre lhes parecerá o mais inadequado. Na realidade, refletido na metrópole cinzenta, em grande parte das vezes parecerá aquele mundo frio, oblíquo, difuso e até mesmo opressor e claustrofóbico. Tal qual os cubículos e os prédios em que residem.

Repleta de frases de efeito significativas fruto das divagações de ambas as personagens em suas rotinas de isolamento - "que gênios esconderam o rio com prédios e o céu com cabos?", "a internet me aproximou do mundo, mas me distanciou da vida", "observar é estar e não estar", "quem dera minha cabeça funcionasse como um Mac" - a película ainda nos brinda com uma série de citações culturais, que vão de Manhattan (o filme do Woody Allen), passando pelo Jogo da Vida, até chegar a Star Wars. Tudo de uma forma orgânica, natural e que promove um verdadeiro deleita visual. O que torna Medianeras, com toda a sua plástica própria e toda a sua personalidade gritante, ela mesma em uma verdadeira peça de arte contínua - como se o próprio filme, com todos os seus elementos, objetos cênicos, trilha sonora e personagens complexos, fosse uma espécie de instalação artística pronta para ser apreciada.


Os mais exigentes talvez digam "ah, é só uma comédia romântica boba e adolescente, que não reflete a realidade da maioria dos jovens". Pode ser. Mas é uma experiência divertida, leve, despretensiosa, como muitas vezes podem (e devem) ser os produtos artísticos. Se talvez não haja tanta profundidade neste debate envolvendo a solidão (e até mesmo a depressão) da juventude na pós-modernidade, impossível é ignorar o realismo daquilo que vemos retratado na tela (e não seria difícil substituir Buenos Aires por Porto Alegre, pra ficar só num exemplo). E se o filme já existisste na era do Tinder, do Happn e de outros aplicativos de relacionamento? Talvez pudessem ser acrescentadas ainda outras camadas a obra. O que reforçaria o fato de que a tecnologia não para. Nos toma. Nos ocupa. Nos faz as vezes esquecer de como é importante viver a vida no mundo real. E a conclusão do filme nos mostra que NADA substitui isso. E que o acaso, muitas vezes, é capaz de nos surpreender.

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