segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Pérolas do Netflix - Ao Cair da Noite (It Comes At Night)

De: Trey Edward Shults. Com Joel Edgerton, Kelvin Harrison Jr., Carmen Ejogo, Christopher Abott e Riley Keough. Suspense, EUA, 2017, 91 minutos.

O suspense é, muitas vezes, um gênero que gera desconfiança entre os cinéfilos - seja pela eventual (falta de) qualidade das produções ou mesmo pelas histórias pouco criativas ou excessivamente forçadas. Mas, aqui e ali, é possível pinçar obras virtuosas, que adotam roteiros econômicos que, no fim das contas, estão muito menos interessadas nos famosos "sustos fáceis" e muito mais empenhadas em conduzir o espectador na direção de um clima de tensão naturalmente sufocante, claustrofóbico e quase inexplicável - e que flerta, de fato, com o desconhecido. Mas um desconhecido palpável, possível, que faz com que enxerguemos as personagens como figuras verossímeis em um cenário idem. E é exatamente isto o que ocorre com o excelente Ao Cair da Noite (It Comes At Night), que está disponível na Netflix.

A trama é simplíssima: um homem chamado Paul (Edgerton), mora com a esposa Sarah (Ejogo) e com o filho Travis (Harrison Jr.) em uma casa solitária e misteriosa, em um mundo que parece conviver com uma severa ameaça a saúde das pessoas - o que é explicado já na primeira cena da película, quando assistimos a morte do pai de Sarah, que parece padecer de um vírus fatal. Não bastassem as dificuldades naturais relativas as tentativas de sobreviver em um mundo em que uma doença altamente transmissível assola a humanidade, o trio ainda vê a sua casa invadida por um desconhecido de nome Will (Abott), que garante estar ali com a intenção de buscar um local para alojar sua família, que está há dezenas de quilômetros e necessita especialmente de água - além de um local que lhe dê conforto e segurança.



O sujeito parece dizer a verdade, mas como acreditar? Especialmente em um mundo que convive com a desconfiança, com a paranoia e com o medo do desconhecido? E aí está um dos grandes acertos do filme dirigido pelo jovem Trey Edward Shults: ao invés de centrar seu foco nos desdobramentos da doença que está matando os habitantes da Terra ou em como se defender dela, o diretor trabalha muito mais com o temores relacionados ao outro. (e, nesse sentido, é impossível não associar a película ao universo que habitamos, cheio de doenças capazes de dificultar a nossa sobrevivência, mas também repleto de ódio, de intolerância, de preconceitos e de falta de empatia) A doença está ali, mas não seria o homem em si - e seu comportamento beligerante - muito mais "doente"? E, é preciso que se diga, esta metáfora por si só já faz valer o filme.

Mas Shults recheia a película com um clima permanente de tensão , especialmente após a família de Will - sua esposa Kim (Keough) e o bebê de ambos - se mudar para a casa claustrofóbica e escura de Paul e de sua família. A intenção é unir forças contra o "desconhecido", com Paul fornecendo o abrigo e Will a comida. Mas o clima NUNCA é tranquilo. Paul parece desconfiar sempre das intenções de Will - por mais amistoso e amoroso (especialmente com sua esposa), que este pareça ser. Há algum segredo? Ou é só medo? Paranoia? A imaginação fervilhando? O clima absolutamente sufocante é aumentado pelos incessantes sonhos de Travis - e a interpretação de Harrison Jr. é não menos do que realista, convincente e, até mesmo, comovente.


Apresentando um desfecho amargo (SPOILER ALERT), que faz lembrar outras obras de suspense, como o irrepreensível O Nevoeiro (2007), baseado na obra de Stephen King, Shults nos faz refletir sobre a importância da empatia, da compreensão em relação ao outro e da importância de não tomar atitudes precipitadas que poderão gerar dissabores e traumas para toda a vida. É um filme conduzido de forma fluída, com tensão permanente e que transforma sequências simples - como a perseguição de um cachorro no meio do mato ou uma discussão em família - em cenas impactantes. O que prova que a simplicidade e a sutileza - inclusive no que diz respeito as formas de passar o recado - podem ser muito mais eficientes do que sequências em que somos surpreendidos pela "queda de bigornas" (ou por gatos que surgem miando, do nada).

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