quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - A Lição (Bulgária)

De: Kristina Grozeva e Petar Valchanov. Com Margita Gosheva, Ivan Barnev e Stefan Denolyubov. Drama, Bulgária, 2014, 111 minutos.

Sartre já dizia que "o inferno são os outros" e que as nossas ações deveriam, fruto da nossa liberdade individual, servir de espelho para a sociedade em que vivemos. Mas como tomar decisões exemplares diante de situações limite? É mais ou menos isso que discute o ótimo filme búlgaro A Lição (Urok). A obra inicia em uma sala de aula, onde uma professora de inglês (Gosheva) inquire os seus alunos a respeito do sumiço de uma certa quantia de dinheiro de um dos estudantes. Aparentemente rígida em seu código de ética, a docente se esforça para descobrir o responsável pelo pequeno delito, com a intenção de lhe ensinar uma lição sobre o caso. Não por acaso, como forma de resolver a questão, ao menos de forma paliativa, ela faz com que todos os colegas de turma doem uma certa quantia para cobrir o valor desaparecido no furto - sendo este devolvido para a dona.

Em seguida, ao chegar em casa, ela se depara com o marido sendo pressionado por um oficial de justiça sobre o atraso de três meses no pagamento do financiamento habitacional - em três dias a casa irá a leilão caso a dívida não seja saldada. Desempregado, o marido havia utilizado o dinheiro para comprar uma caixa de marchas nova para o trailer da família, com a intenção de vendê-lo e, assim, cobrir as despesas relativas a hipoteca. O que, evidentemente, não deu certo. Para piorar a situação, a empresa que a protagonista presta serviços de tradução de textos - um complemento de renda - não apenas lhe atrasa os pagamentos, como acaba falindo. (e, diante desse cenário de burocracia, de pressão institucional e de descaso com as camadas mais humildes da população, é impossível não comparar a Bulgária parlamentarista com o Brasil presidencialista)


O que se assiste a partir desse processo é uma verdadeira espiral descendente onde o aviltamento financeiro é o gatilho para uma improvável bola de neve em que uma ação leva a outra muito pior, com o objetivo de levantar o dinheiro para o pagamento da dívida. Se um encontro com o pai (aparentemente rico e bem de vida) é um desastre que traz a tona mágoas do passado, pior ainda será a obtenção de verba com um agiota claramente mal intencionado. Nesse sentido, se consiste em uma obra preciosa que discute a falência de um sistema - no caso o capitalismo - que, em muitos casos, beneficia uma pequena parcela da população, para deixar a grande maioria do povo na miséria. E o pior, transforma uma professora dona de um rígido código de conduta - e que deveria certamente ser alguém muito mais respeitada na esfera social - em uma pessoa a margem da sociedade, que deve se sujeitar a um sem fim de humilhações com a intenção de manter um mínimo de dignidade.

Não é uma obra fácil de assistir - como ocorre, em muitos casos, com os filmes do Leste Europeu. E se a Bulgária não tem assim uma grande tradição cinéfila - especialmente pelos problemas financeiros enfrentados pelo País e pela queda do padrão de vida da população, com o fim da União Soviética - pode-se dizer que esse A Lição dá uma verdadeira "aula" (perdão pelo trocadilho) de bom cinema de estilo social. O que pode ser observado pelas interpretações (com destaque para Gosheva), pela fotografia pálida - tal qual a vida das personagens que assistimos na tela -, pela quase completa ausência de som (o som diegético é muito bem utilizado e mixado) e pelo figurino que retrata bem a condição social de cada um dos envolvidos. (e observar o agiota utilizando uma camiseta que mostra dois animais "se comendo" não é apenas uma rima visual desalentadora, mas um retrato quase literal daquela que pode ser considerada a realidade vivida pela família da protagonista) Um filme realista, seco, melancólico e que ainda conta com um final inesperado. Vale conferir!

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