quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Disco da Semana - Maglore (Todas as bandeiras)

Quando terminamos a audição do mais recente disco dos baianos do Maglore, intitulado Todas as Bandeiras, ficamos com o refrão da última canção na cabeça - a música se chama Valeu, Valeu. Grudado como se fosse uma espécie de mantra, permanecemos com aquele valeu, valeu, valeu, valeu, valeeeeeeeeeeeu rodando em loop quase infinito em nossa mente, o que faz com que nós mesmos pensemos em  todos os eventos do dia a dia que nos ocorrem, bons ou ruins, e que, no fim das contas, nos farão fortalecer, fazer crescer e encarar o dia seguinte com disposição. Parece papo de autoajuda, mas não. É só uma forma de lembrar que valeu. Valeu mesmo, valeu por tudo. Valeu por existir uma banda como vocês, Maglore, talentosa, cheia de grandes músicos e boas composições. Valeu por nos permitir escutá-los e, a cada audição, querer ouvir mais e mais por que, afinal de contas, esse é o famoso caso do "discão da porra".

Como se não fosse possível qualificar ainda mais aquilo que já estava sendo muito bem feito, o quarteto atualmente formado por Teago Oliveira (voz e guitarra), Lelo Brandão (guitarra, teclado e voz), Felipe Dieder (bateria) e Lucas Oliveira (baixo e voz) encontra no limite entre o rock alternativo e a MPB a matéria-prima para mais dez composições feitas sem firulas, com ótimas melodias, grandes refrões e letras valiosas. Se no registro anterior intitulado III (2015) - "casa" de canções maravilhosas, como Ai, Ai, Dança Diferente, Mantra e Se Você Fosse Minha - parecia haver um permanente ar de "melancolia psicodélica" aqui e ali - talvez até resultado de uma sutileza maior -, agora o grupo pontua o trabalho com arranjos e outros elementos multicoloridos e ensolarados. E que são capazes de, em muitos casos, formar uma mistura de referências que, propositais ou não, nos jogam diretamente para os anos 80 de bandas como The Smiths e Paralamas do Sucesso.



Só que a inspiração oitentista, é preciso que se diga, jamais transforma Todas as Bandeiras em um produto anacrônico, ou mesmo deslocado de seu tempo. Muito pelo contrário, se a guitarrinha efervescente de uma música como Clonazepam 2mg - terceira do registro - nos faz lembrar o ska praiano feito por Herbert Vianna e companhia na década já citada, a letra cheia de personalidade e o estilo próprio do grupo se sobressaem em cada curva da melodiosa canção, transformando-a em candidata instantânea a hit. A letra da mesma música - O mundo muda e isso não dói / Talvez goste de ser diferente / Mas é normal / Dor de Amor e contas pra vencer - também atualiza os temas preferidos do quarteto (relacionamentos, vida cotidiana e urbana, sujeito e rotina), sem ignorar o mal-estar da pós-modernidade fruto de uma sociedade individualista e hedonista.

E se no irrepreensível segundo álbum - intitulado Vamos Pra Rua (2013) - a banda já flertava levemente com os temas políticos, agora, mais segura de si, se sente mais à vontade para fazer a crítica ao contexto ao qual está inserida. Conservar a força / Que faça crer que o futuro será nosso amigo / A mesma força / Que tem o grito do tigre quando corre perigo, canta o eu lírico na saborosíssima Aquela Força que instiga o ouvinte a se manter de cabeça erguida, mesmo num cenário de crise e de descrença. Outras, como a música título são ainda mais diretas - É toda vez vê que a gente morre / E a gente morre / E a gente morre / E eles põem a culpa toda na cabeça de quem tem que morrer / Mas depois tem que limpar o chão.


Curioso notar que, mesmo nas canções mais pesadas, o clima positivo, ao mesmo tempo urbano e primaveril, urgente e reflexivo se mantém, formando um todo ao mesmo tempo homogêneo e multifacetado. Jogue Tudo Fora, por exemplo, é capaz de tornar leve e divertido um caso de separação. O mesmo vale para Eu Consegui que, com temática semelhante e cadência de "quase samba", versa sobre a fossa, resultado da perda de um grande amor. Pequeno em tamanho - são apenas 37 minutos e 10 canções - o registro é extremamente representativo da evolução do quarteto que, chegando apenas ao quarto registro, se posiciona como uma das mais inventivas e interessantes bandas nacionais. Quem não estiver familiarizado com o grupo, certamente encontrará em Todas as Bandeiras uma excelente porta de entrada, com o seu clima absolutamente jovial, ainda que totalmente maduro. Um disco imperdível. Valeu. Mesmo.

Nota: 9,0

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