terça-feira, 17 de agosto de 2021

Tesouros Cinéfilos - Locke

De: Steven Knight. Com Tom Hardy, Olivia Colman, Andrew Scott, Ruth Wilson e Tom Holland. Drama, EUA / Reino Unido, 2013, 84 minutos. 
 
[ATENÇÃO: ESSE TEXTO POSSUI SPOILERS]

De clássicos como O Anjo Exterminador (1962), passando pelo suspense noventista Louca Obsessão (1990), até chegar a obras recentes, como o ótimo A Pele de Vênus (2013), não foram poucos os filmes que utilizaram como cenário um único local. Fosse por escolhas estéticas ou por limitações de orçamento - ou mesmo ainda por questões técnicas da narrativa -, o caso é que a sensação de confinamento, a persistência do "ambiente fechado" como parte do contexto, em muitos casos resulta em experiências sufocantes, tensas, daquelas que nos deixam nervosos. Nesse sentido, talvez não seja por acaso que haja tantos thrillers que concentram suas histórias em espaços limitados. Situação que, convenientemente, busca ampliar a sensação de claustrofobia daqueles que acompanhamos. E, em partes, podemos afirmar que é exatamente isso que ocorre com Ivan Locke (Tom Hardy), o protagonista do curioso Locke - filme dirigido por Steven Knight, que está disponível na HBO Max.

O filme todo se passa dentro do carro de Locke, durante pouco mais de uma hora e vinte minutos, no final de uma noite. O sujeito é um operário experiente da construção civil - aliás, ele é o responsável por receber um grande carregamento de concreto que será entregue em uma obra de grandes proporções, no começo da manhã seguinte. Só que, no interior do veículo, ele deixa tudo para trás: pega a rodovia e parte na direção de um hospital. É lá que está a sua amante, que se prepara para entrar em trabalho de parto. De um filho seu. Na madrugada que se inicia, em meio ao movimento de vai e vem de carros, utiliza o telefone adaptado do painel do carro para (tentar) resolver todos os problemas de sua existência. O que envolve, entre outras decisões, revelar para sua esposa - e filhos -, o episódio isolado de traição, que resultou em uma paternidade não desejada. Ao mesmo tempo, conversa com colegas empreiteiros que tocarão a obra em sua ausência - o que também não é simples -, ao mesmo tempo em que tenta se apresentar como uma figura presente também para a pessoa com quem teve um relacionamento extraconjugal.


É um contexto complexo, difícil. Locke sai de uma ligação para outra e mais outra e mais outra, emendando uma conversa em outra conversa - e é quase inevitável constatar o fato de que, pouco a pouco, as coisas sairão do controle. Como metáfora óbvia, a própria construção da qual ele é responsável - um empreendimento majestoso, o maior da Europa, como ele mesmo faz questão de ressaltar mais de uma vez -, corre o risco de ruir se não estiver bem alicerçada. Assim como está "ruindo" a sua vida - e não deixa de ser comovente o esforço do protagonista em tentar manter todas as arestas bem aparadas, sem alterar o tom de voz, num desejo íntimo de jamais repetir aquilo que aconteceu com o seu próprio pai (que, aparentemente, abandonou a família após seu nascimento). Na estrada, a sensação de solidão asfixiante, se alterna com os barulhos de veículos da polícia, de ambulâncias, de pedágios e de outros elementos do tráfego, que surgem como forma de ecoar a própria balbúrdia interior vivida por Locke. O trânsito nunca parece excessivamente caótico. Mas ele eventualmente apresenta alguma barreira, alguma limitação, algo que gera dúvida sobre o "destino".

Hábil na construção do roteiro, o diretor Steven Knight jamais deixa a experiência derivar para o tédio. Mesmo quando um instante parece isolado ou meio em sentido, ele surge com razão de ser. É o caso por exemplo das sequências em que vemos os limpadores e para-brisas muito mais "bagunçando" a sua visão, do que clareando aquilo que ele enxerga. O mesmo valendo para as persistentes cenas das estradas vazias, que certamente reforçam, de forma metafórica, o estado de espírito de um sujeito que está colocando em risco não apenas o seu casamento, mas também o seu trabalho - e o seu "destino" como um todo. Carismático, o protagonista nos é apresentado como um homem que tenta manter o controle, mesmo em meio ao caos - condição reforçada pela voz monocórdica adotada, que sempre é precedida por gestos econômicos, discretos. Imersivo, tenso, é um daqueles filmes que a gente nem vê passar. E que, quando acaba, deixa um gostinho de quero mais. O que torna tudo ainda melhor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário