De: Stephen Hopkins. Com Stephan James, Jason Sudeikis, Clarice van Houten, William Hurt e Jeremy Irons. Drama, Alemanha / França / Canadá, 2016, 134 minutos.
Vamos combinar, cada edição dos Jogos Olímpicos revela um sem fim de histórias sensacionais envolvendo os atletas - muitas delas com potencial para virar livro, filme, documentário. Sem muito esforço, puxando pela memória, somente na recém finalizada edição de Tóquio 2020, é possível lembrar do arremessador de peso que treinava em um terreno baldio, da ginasta que teve de abandonar os jogos devido à pressão sofrida (e ao trauma decorrente de abusos) e da boxeadora que, após faturar a medalha de ouro em sua categoria, voltará a trabalhar no hospital em que atua como enfermeira. Sim, e isso que nem mencionei a praticante de skate que, com apenas 13 anos, barbariza nas pistas - após ter viralizado há seis anos, fazendo uma manobra impossível, vestida de... fada. Fadinha, no caso. Tem de tudo e acho que a beleza das Olimpíadas está também nisso: ela revela contextos. Sociais, políticos, culturais, religiosos. Esportivos, claro. De cada País envolvido. Sua bagagem, suas tradições. Tudo parece estar lá. Em meio a braços, pernas, dorsos, sorrisos, choros e caretas de cada atleta. Suor e sangue. É algo meio mágico, na real. Até apaixonante.
E, nesse sentido, acho que não existe história olímpica mais inesquecível do que aquela envolvendo o atleta Jesse Owens que, nos jogos de Berlim, em 1936, em plano nazismo, faturaria quatro medalhas de ouro - escancarando o fato de que o alegado (e bizarro) conceito de superioridade racial nada tinha a ver com a cor da pele. Negro, Owens quase não participou daqueles jogos. Havia um impasse envolvendo o Comitê Olímpico Norte Americano que, naturalmente insatisfeito com o modelo político adotado pelo führer, quase boicotou a competição. Esse contexto de bastidores, os preconceitos raciais à época - inclusive nos Estados Unidos -, as discussões e incertezas familiares e o esforço do próprio Owens (Stephan James) em alcançar o lugar mais alto pódio, é o que acompanhamos no agradável Raça (Race), obra disponível no catálogo da HBO Max. Dirigido por Stephen Hopkins (de A Sombra e a Escuridão), essa é aquele filme do subgênero "história de superação" que costuma cair no gosto do espectador.
Em linhas gerais a gente sabe o final da história. Mas ainda assim não deixa de ser valioso conhecer o percurso. Que envolve, por exemplo, a existência do treinador Larry Snyder (o sempre simpático Jason Sudeikis), que sai da desconfiança inicial para o apoio incondicional ao seu principal atleta. Como integrantes do comitê, Jeremiah Mahoney (William Hurt) e Avery Brundage (Jeremy Irons) ficam em lados opostos no que diz respeito às decisões sobre ir ou não aos jogos. Ceder à Hitler não seria uma forma de demonstrar "fraqueza"? Superá-lo em sua casa não poderia se configurar como uma bela lição sobre o conceito de supremacia? Em meio a tudo, figuras conhecidas como a diretora Leni Riefenstahl (Clarice von Houten) e Joseph Goebbels (Barnaby Metschurat) se empenharam em transformar os jogos daquele ano em um verdadeiro circo midiático - e, olhando para as imagens que ficaram para a história, podemos afirmar sem medo: bendita mania de grandeza do führer, que possibilitou que cada detalhe dessa sua pequena humilhação particular fosse filmado.
Como espectador, senti um pouco de falta de um contexto que nos apresentasse um pouco mais a juventude de Owens, e de como seria "formatado" o atleta inigualável, um retumbante recordista mundial, que ele seria. O mesmo valendo para a desastrosa política racial norte-americana que, nos anos 30, até poderia se vender como um espectro mais progressista (ao menos se comparada ao nazismo), mas que também mantinha suas esquisitices pós período escravocrata (caso da política que obrigava negros e brancos a se manterem separados na maioria dos locais). Em geral o tom é otimista. Quase fabulesco. As tomadas são belas - há muito uso de câmera lenta, closes. Assim como o desenho de produção, que recria o período de forma bastante fidedigna. A nota menor no que diz respeito a parte técnica fica com a exagerada trilha sonora, que às vezes mais parece retirada e um filme de ação com o Liam Neeson como protagonista (indo atrás da filha sequestrada). No mais é cinemão que acerta em cheio e faz com que saiamos da sessão com um belo (e esperançoso) sorriso. O que não é pouco, em tempos em que o racismo estrutural segue sendo política pseudo-oficial de tantos governos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário