quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Cinemúsica - Carruagens de Fogo (Chariots of Fire)

De: Hugh Hudson. Com Ben Cross, Ian Charleson, Ian Holm e Cheryl Campbell. Drama, Reino Unido, 1981, 123 minutos.

Esse é um caso emblemático de filme que, para a história, é muito mais lembrado pela sua inesquecível trilha sonora, composta por Vangelis, do que por qualquer outro motivo. Aliás, muito provavelmente em uma lista com as maiores esquisitices da história do Oscar, a vitória de Carruagens de Fogo (Chariots of Fire) como Melhor Filme, segue como um dos maiores mistérios da maior cerimônia do cinema. Não há nenhuma explicação plausível. A obra é brega, conservadora, com uma mensagem meio ultrapassada que une apoteose esportiva com religião e que, na atualidade, soa apenas datada. Mas eram outros tempos, claro. A Academia evoluiria, deixaria de lado esse ideal do cinema como algo mais tradicional, que manda um afago para o cidadão médio. Só que ficou a música. Replicada, parodiada, imitada. Que surge em esquetes de humor, aberturas de formatura, palestras motivacionais de gosto duvidoso. E em qualquer evento esportivo, claro.

É a trilha sonora oficial de "alguém correndo em câmera lenta". Qualquer que seja o contexto. No filme de Hugh Hudson tudo acontece já na sequência inicial. Um bando de jovens correndo de pés descalços na beira da praia. A câmera vagarosa indo de um rosto a outro, entre sorrisos, caretas e expressões de sofrimento. A música evocativa de Vangelis, surge com sua batida hipnótica, que é invadida pelos sintetizadores grandiosos que fornecem uma espécie de transe para o espectador. Instantaneamente somos catapultados para um filme sobre atletismo. Que é baseado em fatos reais - e que narra a história das primeiras conquistas da equipe olímpica de corrida da Grã-Bretanha, nos Jogos de Paris, em 1924. O período é o entre-guerras. Há muita desconfiança de todos os lados - e até recusas a competir por motivos religiosos (o domingo, pelo visto não foi feito para colocar os tênis e para uma ida no parque).


Na trama somos apresentados a dois velocistas. Um deles, de nome Harold Abrahams (Ben Cross), é um filho de judeu que pretende provar a sua capacidade na corrida - a despeito da desconfiança da família, que possui uma confortável situação financeira. O outro é o devoto cristão Eric Lidell (Ian Charleson), um missionário escocês que acredita que a sua capacidade atlética nata é uma espécie de dádiva divina (e cabe a ele cumprir os desígnios de Deus em Terra, como forma de honrar a sua virtude). Da chegada a Universidade de Cambridge - com as primeiras e divertidas corridas -, até o chaveamento que lhes levará aos Jogos Olímpicos, ambos percorrem caminhos distintos. Lidell possui um talento natural, do qual se sobressai de forma espontânea. Já Abrahams contrata um treinador ítalo-árabe de nome Mussabini (Ian Holm), que também gera dissabores entre os católicos mais fervorosos, com a competição entre a dupla sendo o combustível para que ambos prossigam em seus objetivos.

Em meio a disputas entre eles, que envolvem ainda longos debates com os reitores da Universidade, com líderes religiosos e com familiares - muitos eles desgostosos com o conceito de prática de esportes como um ideal de vida -, o filme funciona como um pequeno libelo sobre triunfo e redenção, com o atletismo permeando a narrativa. E, nesse sentido, não deixa de ser soberbo o trabalho técnico de reconstrução das corridas, com toda a sua emoção, e que testa aqueles que acompanhamos até os seus limites físicos. Nesse sentido, se há alguma beleza em Carruagens de Fogo está na cruzada da dupla central que acaba por confrontar as instituições mais ortodoxas pelo bem do esporte. E sobre como a disputa saudável entre todos eles, se torna estímulo natural para todos os colegas da equipe britânica. Sim, hoje o filme é datado. Quase enfadonho. Mas a imagem de exaltação física e de competividade seguem inabaláveis. Assim como a trilha de Vangelis.

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