De: Sam Levinson. Com Zendaya e John David Washington. Drama / Romance, EUA, 2020, 106 minutos.
Aqueles que tiverem saco pra uma DR de casal de mais de uma hora e meia têm mais chance de gostar desse Malcolm & Marie - filme que estreou na última sexta-feira (05/02) na Netflix. Por se passar em um único ambiente, a obra do diretor Sam Levinson (de Euphoria) depende quase que exclusivamente da força de seus diálogos. E das interpretações de seus protagonistas - no caso Zendaya e John David Washington. Sim, porque fazer filmes em tempos pandêmicos é recorrer a um recurso já muito utilizado no passado, seja em clássicos como Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (1966), seja em projetos mais recentes, caso de Deus da Carnificina (2011). Hoje em dia todo o mundo está confinado. Então há uma identificação quase metalinguística com aquilo que acompanhamos: no caso a ruína de um relacionamento já instável e que parece precisar do menor motivo para desmoronar completamente. Em tempos de covid, o número de divórcios aumentou. Malcolm e Marie poderiam facilmente engrossar essa estatística.
Na trama, o casal que dá nome à obra está retornando de uma bem recebida noite de estreia de um filme dirigido por Malcolm. O que deveria ser uma madrugada de celebração, vai se transformando em um vertiginoso drama em que mágoas e ressentimentos vêm à tona conforme as horas avançam. Marie reclama que Malcolm sequer lembrou de seu nome durante os agradecimentos em seu discurso. Especialmente pelo fato de o seu elogiado projeto ter sido inspirado - ao menos em partes - na vida pregressa da companheira (uma ex-usuária de drogas, que luta diariamente para manter a sanidade mental). Ego? Falta de atenção? Toxicidade? Os argumentos de parte a parte nos levam a uma verdadeira montanha russa de emoções em que, a cada instante, somos jogados para um dos lados - e admito que o roteiro é bastante inteligente ao fazer com que não tomemos partido, necessariamente (por mais que as alegações de Marie quase sempre soem convincentes).
Com uma excelente trilha sonora, uma irresistível e bem adequada fotografia em preto e branco e um ótimo uso dos planos-sequência, a obra aproveita a infinita discussão do casal para tecer uma série de comentários sociais relevantes a respeito do racismo na indústria e sobre o vazio da crítica cinematográfica. Em um dos mais histriônicos momentos, Malcolm lê a crítica (favorável) de um jornal de Los Angeles, ao mesmo tempo em que ataca o texto pelo simples fato de a interpretação dada a sua obra não ser aquela pretendida por ele. Nas entrelinhas, a pergunta que fica é sobre se Barry Jenkings (de Moonlight) seria relevante como um William Wyler, se não centrasse tanto a sua câmera para o preconceito estrutural. As pessoas se importariam? Os filmes seriam elogiados? Seriam considerados autênticos? Por que um diretor negro não pode, simplesmente, fazer um filme sobre uma ex-viciada tentando superar seus problemas? E um diretor branco, pode dirigir negros sem ter "lugar de fala"?
Recheando a obra com estas divagações, Levinson acrescenta um pouco de profundidade a uma interminável discussão que poderia soar apenas ególatra e até irritante. Há, aqui e ali, um pouco de exagero e, confesso, acho que muitos dos espectadores teriam abandonado o barco de uma relação - especialmente após sequências devastadoramente agressivas, como a da banheira. Ninguém suporta tanto ataque. Especialmente se a união é frágil ou rasa. Nesse sentido alguns instantes soam apenas artificiais - e me irritou bastante as idas e vindas, intercalando momentos falsamente amorosos (ou de acolhimento) com outros da mais profunda afronta. Ainda assim, parafraseando a escritora brasileira Elvira Vigna, em tempos pandêmicos foi o "que deu para fazer em matéria de história de amor". Especialmente com duas pessoas confinadas. Discutindo a relação. Tentando superar diferenças. E se suportando. Por mais que na vida real a coisa seja diferente. Se é que é tão diferente assim.
Nota: 7,0
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