quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - A Ovelha Negra (Islândia)

DE: Grimur Hakonarson. Com Sigurour Sigurjónsson, Theodór Júliusson e Gunnar Jónsson. Comédia dramática, Islândia, 2015, 92 minutos.

Difícil imaginar o quão triste deva ser para um ovinocultor ter de se desfazer de seu rebanho por causa de alguma doença - e, em partes, pode-se dizer que é isto o que assistimos no contemplativo A Ovelha Negra (Hrútar), filme islandês vencedor da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes de 2015. Gummi (Sigurjónsson) e Kiddi (Júliusson) são dois irmãos que vivem lado a lado em uma isolada fazenda deixada pelos pais de ambos. Brigados e sem se falar a 40 anos, tem em comum a paixão pela criação de ovelhas e cordeiros que servem não apenas para seu sustento, mas também para a participação em concursos para a escolha do melhor animal. No mesmo dia em que Gummi perde para Kiddi uma dessas competições, o primeiro constata - ele já desconfiava antes, como podemos observar na primeira cena da película - que os animais do irmão possam estar sofrendo de scrapie, espécie de doença neurodegenerativa que ataca os ruminantes.

Quando uma equipe de veterinários local confirma que, de fato, a doença assola os produtores, não resta alternativa a não ser sacrificar os rebanhos. O que, invariavelmente, gerará grande comoção entre os agricultores que, além de se desfazerem de seus animais, deverão queimar o estoque de feno (ou de outros tipos de pastagens), higienizar ambientes e reconstruir galpões - devendo aguardar, ainda, o tempo mínimo de dois anos para que possam retomar a atividade sem que haja qualquer risco sanitário. O que, não se pode negar, se constitui em uma espécie de tragédia para quem depende da criação de animais para sobreviver. Enquanto Kiddi acredita que Gummi o possa ter denunciado por ter ficado com ciúmes do resultado do concurso, o segundo se esforça para abrigar, no porão de sua casa, um grupo de ovelhas que ele acredita ter se livrado da patologia. E não é preciso ser nenhum adivinho para saber que, não demorará, o "segredo" virá a tona.



Apostando muito mais nos silêncios e na sutileza de olhares e de movimentos de seus protagonistas do que em gestos expansivos, o diretor Grímur Hákonarson apresenta seus personagens - bem como suas personalidades e jeitos de ser - de forma absolutamente orgânica e fluída. E se Kiddi parece ser um sujeito de presença muito mais "forte" (o que pode ser observado, por exemplo, na dificuldade que tem em aceitar as "orientações" dos veterinários, com direito a discussões e brigas em frente à propriedade), Gummi parece ser uma pessoa muito mais compreensiva em relação a realidade que se apresenta. (ainda que ambos, inegavelmente, estejam doloridos) Nesse sentido, a opção de Gummi por, ele mesmo, matar o seu rebanho, ainda que, inicialmente, pudesse soar como um gesto "cruel", apenas serve para que notemos, no instante seguinte, a natureza da relação absolutamente afetuosa que mantinha com os seus animais.

E se a fotografia (e os cenários) são um espetáculo a parte - o frio é tão "palpável" que parece saltar da tela -, o mesmo pode-se dizer da relação entre os irmãos, capazes de ir do ódio eterno a reconciliação em alguns minutos (especialmente quando ambos percebem que, somente se juntarem forças, serão capaz de tentar salvar parte daquilo que integra as suas histórias). Com interpretações de fazer cair o queixo - a naturalidade com que ambos os atores "pastoreiam" os seus rebanhos é surpreendente - o filme ainda serve como uma verdadeira aula a respeito das frustrações que os agricultores, em qualquer parte do mundo, podem sofrer - e sobre como é importante o suporte do Governo, para que estes não se vejam completamente desassistidos em casos de perdas. Uma obra simples, minimalista, comovente e ironicamente engraçada, que ainda possui um daqueles finais que permanecerá por horas na cabeça de qualquer cinéfilo.

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