segunda-feira, 13 de março de 2017

Lado B Classe A - Jens Lekman (Night Falls Over Kortedala)

O sensacional álbum Night Falls Over Kortdedala (2007), do sueco Jens Lekman, mantém o ouvinte, no decorrer de seus 50 minutos, preso em um microcosmo ensolarado, adocicado, nostálgico - como se pudéssemos, em suas doze músicas, estar no limite entre um musical hollywoodiano e a apresentação de uma orquestra barroca. É um trabalho classudo ao emular a música erudita e toda a sua riqueza instrumental e, ao mesmo tempo, acessível no flerte com o cancioneiro pop de rádios light dos anos 80. Nesse sentido, poucas vezes um disco foi tão recheado de elementos, quer fosse em suas letras irônicas e repletas de figuras de linguagem ou no instrumental grandioso - com o uso de violino, piano, xilofone, acordeão e outros. E tudo isso sem soar presunçoso ou inacessível. Pelo contrário, o registro, segundo da carreira de Lekman, consegue a rara proeza ser ao mesmo tempo sofisticado e radiofônico, nobre e palatável.

Ouvir o disco é mergulhar em um cenário absolutamente romântico e suave que transforma cada curva do trabalho, cada entalhe sonoro e cada refrão pegajoso, em um verdadeiro afago capaz de mexer com a memória auditiva de qualquer ouvinte. É como se já tivéssemos escutado aquilo antes - e talvez já tenhamos e nem nos lembremos. Se pegarmos, por exemplo, os delicados, sutis e quase infantis arranjos da exuberante It Was a Strange Time In My Life, se torna praticamente impossível não recordar a composição Morning do norueguês Edvard Grieg, e que integra a peça teatral Peer Gynt, escrita por Henrik Ibsen. Propositais ou não, resgates como este, que aparecem em vários outros momentos - com o uso de corais de vozes, palminhas, estalos de dedos e outros efeitos diversos - são capazes de fazer sorrir até o mais sisudo dos apreciadores da boa música pop. Afinal de contas, música pop, como sabemos, também pode ser arte.


Com voz grave e ao mesmo tempo aveludada, o sueco canta como se fosse uma espécie de Morrissey, mas se o vocalista dos Smiths fosse mais afeito às alegrias proporcionadas pela vida. Ainda que sofra, Lekman não esquece de dividir responsabilidades no que diz respeito a relacionamentos fracassados, como no caso da divertida e bela Sipping On The Sweet Nectar - Então lamba os seus lábios/ Esses são os bons momentos que você vai sentir falta, canta ele no saboroso refrão com a confiança inabalável. Outro momento imperdível é na canção The Opposite Of Hallelujah, uma música tão grudenta, mas tão grudenta, que poderia fazer os Beatles da fase Ié Ié Ié até se envergonharem. Mas música chiclete, aqui, jamais significa obviedade: os arranjos sempre primaveris, a letra ao mesmo tempo desalentadora e engraçada - Peguei uma concha/ Para ilustrar minha falta de abrigo/ Mas um caramujo saiu de lá de dentro - e o refrão cheio de trucagens são enriquecidos em seus elementos, com a presença de instrumentos que fogem da previsível trinca guitarra, baixo e bateria.

Até mesmo quando soa excessivamente brega - como no caso da andina e carnavalesca (com sua percussão marcante) Into Eternity, Lekman consegue comprovar a tese de que esse disco nasceu para ser apreciado na íntegra, uma vez que sua homogeneidade latente não deixa dúvidas quanto a sua qualidade, ou mesmo de seu valor enquanto unidade. I'm Leaving You Because I Don't Love You, If I Could Cry, Your Arms Around Me, Friday Night At The Drive-In Bingo... são tantas as canções ao mesmo tempo épicas e encantadoras, que parecem dialogar com tantos períodos diferentes da música, que fica quase difícil tentar traduzir em texto o verdadeiro caleidoscópio sonoro promovido pelo compositor em cada uma de suas doze canções. É daqueles discos que já te "pega" de primeira e que vai crescendo a cada nova audição. Se você ainda não conhece o artista - era o meu caso, há até pouco tempo atrás - esse trabalho, que, na época de seu lançamento, recebeu nota 9 dos exigentes do Pitchfork, é certamente uma excelente porta de entrada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário