quarta-feira, 1 de março de 2017

Pérolas da Netflix - Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo (I Don't Feel At Home In This World Anymore)

De: Macon Blair. Com Melanie Lynskey, Elijah Wood e Jane Levy. Comédia dramática, EUA, 2017, 93 minutos.

Sartre já dizia que "o inferno são os outros" e a impressão que temos, já no começo do filme Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo (I Don't Feel At Home In This World Anymore) é a de que a sentença faz todo o sentido. Na trama, Melanie Lynskey é Ruth, uma enfermeira que não aguenta mais o mal estar da modernidade, onde o individualismo e a falta de empatia parecem ser a ordem do dia, com pessoas passando as outras para trás em filas preferenciais do supermercado, não cedendo a vaga para pedestres em faixas de segurança e, ainda, com homens que ignoram as fezes de seus cachorros em jardins alheios. Gentileza gera gentileza já diz um outro ditado. Mas no mundo desalentador em que Ruth se encontra - que no fim das contas, é o de todos nós - ninguém se importa com ninguém: o que vale é estar bem, sem levar em conta o bem-estar do outro.

Mas será que não estamos fazendo julgamentos precipitados e ignorando também o NOSSO comportamento nessa equação que envolve o bem-estar geral do mundo? Quando Ruth tem a sua casa invadida por ladrões que reviram todos os seus pertences para levar um notebook e um conjunto de talheres e louças que está na família há várias gerações, a moça vai até a polícia, que não parece fazer muito caso do ocorrido. Decidida a fazer justiça com as próprias mãos, Ruth vai ao encontro de um excêntrico vizinho fã de artes marciais e heavy metal (Elijah Wood), para tentar reaver os seus objetos na marra. Bom, sem falar demais para não estragar as divertidas surpresas do roteiro dessa verdadeira pérola - vencedora do prêmio do Júri no mais recente Festival de Sundance -, o que se pode dizer é que essa simples decisão de Ruth desencadeará um "efeito cascata" que poderá comprovar o fato de que o inferno, no fim das contas, somos todos nós.



Bebendo diretamente na fonte de diretores como Quentin Tarantino e os Irmãos Coen, o estreante Macon Blair não poupa o espectador do nonsense, chegando no limite do absurdo em algumas cenas. E, mesmo em meio a trilha de violência gerada por Ruth, será praticamente impossível conter o riso involuntário em algumas sequências - como naquela em que a dentadura de um dos vilões voa longe após este receber uma pancada ou mesmo diante das curiosas e excêntricas reações de Tony (o personagem de Wood). E, mesmo sendo pessimista na maior parte do tempo, Blair estabelece a relação entre Ruth e Tony de forma fluída e divertida, o que possibilita conferir ao menos um fio de esperança no que diz respeito a relação entre sujeitos no mundo - e sobre como podemos mudar de opinião a respeito desta ou daquela pessoa que tenhamos conhecido.

Trazendo ainda uma série de coadjuvantes hilários - como o detetive deprimido pelo fim do relacionamento William Bandix (vivido por Gary Anthony Williams) ou a dondoca esposa do chefão da máfia local Meredith (Christine Woods) - a obra funciona justamente por não pretender ser mais do que ela realmente é - e isso fica claro pelo subtexto, que passa apenas de raspão pelas reflexões a respeito de um mundo mais justo, empático e tolerante. (e confesso que, em partes, achei uma pena esse arco dramático ter sido completamente abandonado, ao menos de maneira DIRETA, na segunda metade da projeção)  Ainda assim, Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo é um filme leve, engraçado e que, disponível na Netflix, merece ser visto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário