Indicado ao Oscar na categoria Documentário e disponível na Netflix, o longa Life, Animated não é apenas uma história de superação: também é um filme sobre o poder transformador da arte. E sobre como ela pode ser, para além de um entretenimento eventualmente formalista, complemento, inclusive, para tratamentos médicos relacionados aos mais variados distúrbios neurológicos (não que isso seja regra, evidentemente). Na trama, o pequeno Owen é uma criança como qualquer outra: brincalhona, alegre, curiosa. Mas algo ocorre por volta dos três anos de idade, quando o menino é diagnosticado com autismo, o que faz com que a sua personalidade "desapareça" - assim como a plena capacidade motora ou de fala. Os pais, Ron Suskind - jornalista premiado com o Pulitzer e escritor do livro no qual a obra se baseia - e Cornelia procuram toda a ajuda médica que possa apontar para uma possível "cura" do menino. Mas sem sucesso.
A situação muda quando a família está assistindo pela vigésima vez o filme A Pequena Sereia - as obras da Disney são uma paixão de Owen desde bebê - e percebe o fato de que o menino tenta reproduzir uma das falas da animação. Isto depois de ficar vários anos sem proferir uma só palavra sequer. Em meio as lágrimas os pais percebem ali um fio de esperança. E passam a utilizar obras como O Rei Leão, Alladin, Mogli O Menino Lobo, Peter Pan e Bambi para se "comunicar" com o menino. A lembrança de Ron sobre a primeira vez que se fantasiou de Iago (papagaio que acompanha o vilão de Alladin) e sobre como conseguiu arrancar dele algumas frases sobre a importância da amizade é daquelas de fazer chorar até o mais duro dos corações. E sequências deste tipo não são poucas na obra do diretor Roger Ross Williams.
Não bastasse a montagem absolutamente dinâmica do filme, que realiza idas e vindas no tempo, com riquíssimas imagens de arquivo, com outras da família na atualidade - as participações do irmão também são importantes -, a obra ainda utiliza a própria arte a qual presta uma espécie de "homenagem" (no caso, a animação) para construir sequências que enchem a existência de Owen, bem como sua fértil imaginação, de significados. E poder, de fato, assistir a animação escrita pelo então menino - na atualidade um jovem adulto de 23 anos -, que se inspira em seus heróis para ele mesmo criar um protagonista que ajuda os "parceiros" (sidekicks) contra um terrível vilão que sopra uma espécie de nuvem de melancolia sobre os protagonistas não é nada menos do que sensacional. Ainda mais por sermos conhecedores da personalidade complexa, introspectiva e silenciosa do jovem, após o diagnóstico da doença.
Valioso também por não deixar com que Ron seja o exclusivo interlocutor de sua história, o documentário ainda se enche de brilho por permitir ao próprio Owen as suas espirituosas observações sobre a vida, sobre o mundo e até sobre relacionamentos ou outras paixões. Enfim, Owen existe! Assim, ainda que a família tenha ficado emocionalmente devastada quando do diagnóstico da doença, não deixa de comover o fato de, no terço final, todos tratarem o rapaz como um jovem como qualquer outro, independente e com vontades próprias. Melancólica e divertida em igual medida, a obra fala ainda da importância do amor e da harmonia familiar na busca pela superação de dificuldades. Ron e Cornelia nunca abandonaram Owen. Ao contrário, entraram eles em seu mundo. Se transformaram em princesas, vilões e animais falantes. E, assim, conseguiram se reconectar com aquele que mais amavam. Tocante é pouco.
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