segunda-feira, 13 de março de 2017

Novidades em DVD - A Corte (L'Hermine)

De Christian Vincent. Com Fabrice Luchini, Sidse Babett Knudsen e Corinne Masiero. Comédia / Drama, França, 2016, 98 minutos.

Filmes que abordam os relacionamentos de maneira sutil podem até não ser tão divertidos, mas muitas vezes são extremamente realistas - ainda mais se levarmos em conta o fato de que, na vida, nem tudo é tão simples como parecem ser as comédias românticas de Hollywood. Lembro até hoje do ótimo Vestígios do Dia (1993), filme de James Ivory lançado em 1993, que mostrava a singela relação entre um mordomo e uma governanta em uma mansão da Inglaterra vitoriana, no século dezenove - interpretações exemplares, diga-se, de Anthony Hopkins e Emma Thompson. Era um romance nunca óbvio, marcado por silêncios, por olhares, por detalhes minuciosos e de grande riqueza estética, capazes de evidenciar ou sugerir a paixão entre os protagonistas que, no fim das contas, mais pareciam preocupados com os seus afazeres do que com as suas vidas pessoais. Mas como não ser afetado, em nosso dia a dia, no nosso trabalho, nas nossas rotinas, por aqueles(as) que amamos?

É exatamente esse o caso do excelente A Corte (L'Hermine), que chega agora em DVD. Fabrice Luchini (sempre ótimo) é o rígido juiz Racine, homem de modos pouco gentis e reconhecido pelo estilo impiedoso nos tribunais - estando sempre disposto a aplicar sentenças duras em seus julgamentos. Perto de julgar um caso de infanticídio envolvendo um casal, Racine vê a situação mudar de figura quando reconhece entre as integrantes do juri, uma mulher de nome Ditte (Sidse Babett Knudsen), que parece ter tido algum envolvimento com ele, no passado. Mas, inicialmente, é tudo nebuloso: Racine recém saiu de um divórcio e, pra piorar, anda com um forte resfriado. A presença de Ditte claramente lhe abala, lhe causa um misto de desconforto e surpresa. Talvez até algum incômodo. Os motivos para isso só ficarão claros para o espectador a partir do segundo terço da película.



Sem muita pressa para desenvolver a história, o diretor Christian Vincent (do razoável Os Sabores do Palácio) parece muito mais interessado em nos mostrar como podemos ser afetados, em nosso dia a dia, pelas pessoas (sejam elas muito conhecidas ou não) do que em transformar esta em uma grande história de amor, com começo, meio e fim bem delimitados. O pano de fundo de um tribunal - a ação se passa durante dois ou três dias do julgamento - acaba sendo o cenário perfeito para que, metaforicamente, também exercitemos, enquanto espectadores, a ação de "julgar". E se Racine, inicialmente, parece um sujeito intragável, aos poucos passamos a entender as suas motivações - muitas delas tomadas por uma série de frustrações em sua vida, que funcionam como um contraponto exato para o alto cargo hierárquico que ocupa. E, assim, também mudamos, ao menos em partes, as nossas percepções em relação a ele - ainda mais ao percebermos como lhe afeta o amor, um sentimento tão humano.

Contando com valiosas interpretações da dupla central, o filme ainda tem excelente elenco secundário, que se esmera para tornar o filme ainda mais atraente do que já é - e ver um "corpo de jurados" tão diversificado, debatendo suas próprias vidas em uma mesa de restaurante, em uma das melhores sequências da película, é não menos do que sensacional! Da mesma forma, as interações de Ditte com a sua filha - que foge do estereótipo da adolescente rabugenta - e desta com Racine, também conferem à obra uma doçura quase inesperada e, até mesmo, ingênua, na abordagem dos relacionamentos. Isso quando o filme - que faturou os prêmios de roteiro de de ator (para Luchini), no Festival de Veneza - parece sobre relacionamentos, já que na maior parte do tempo vemos o tribunal, seus jargões, seus códigos de conduta, suas hierarquias e seus integrantes... mas a intenção nunca é ser óbvio. E é justamente por isso que esse filme, pleno de significados, merece ser visto.

Nota: 8,0

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