quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Encontro com a Professora - Feios, Sujos e Malvados (Filme)

Mais um texto da querida amiga e, agora, colunista, Rosane Cardoso, dentro do quadro Encontro com a Professora. Dessa vez ela escolheu um dos mais tragicômicos filmes italianos, o inacreditável Feios, Sujos e Malvados. Um daqueles clássicos que bem poderia fazer parte do quadro Cine Baú! Boa leitura a todos!

Uma tragédia à italiana
Feios, Sujos e Malvados


Quem não ama uma família italiana? Não são poucos os filmes que abusam do clichê de mãe, pai, filhos, avós e netos falando ao mesmo tempo em volta de uma mesa farta. Diretores como Tornatore, Monicelli, Fellini – cada um a seu modo – fizeram questão de homenagear a alegria. Já Antonioni, Visconti e Pasolini mostraram o lado amargo e Tinto Brass, o perverso. Mas la famiglia segue como a máxima da cinematografia italiana. Considerando esses diretores citados – lista obviamente falha, pois faltam muitos – Ettore Scola parece ter se abeberado em cada uma dessas verves para compor o genial Feios, Sujos e Malvados (Brutti, Sporchi e Cattivi), de 1976, melhor direção no Festival de Cannes.

Giacinto Mazzatella (Nino Manfredi) vive com a mulher, dez filhos, noras, genros e mãe num barraco em Roma. Como perdeu o olho esquerdo no trabalho, ele recebe um seguro que os parentes desejam usurpar. Mas Giacinto é a avareza em pessoa e o tesouro se mantém escondido. Assim, cada um se sustenta como pode: subempregos, roubo, prostituição, mendicância ou completa ociosidade. Uma vez por mês, a família leva a avó inválida para receber a pensão e ali mesmo dividem o dinheiro entre eles. Como ratos vivem e como tal constroem as relações familiares e amorosas. Mas, como nada está tão ruim que não possa piorar, Giacinto começa a gastar seu dinheiro com a amante, Iside. Logo, decide levá-la para morar na casa. É o apocalipse. Finalmente, os filhos podem justificar o desejo pelo dinheiro do pai e um assassinato é tramado. Mas, a tentativa de crime vira uma grande piada. Nada funciona como deveria e a vida dos Mazzatella continua igual.


Como costuma ocorrer em boas narrativas, a ação é só a cobertura do bolo. Há tantos subtextos em Brutti, Sporchi e Cattivi que a sinopse vira sinapse. Pautado fortemente pela escatologia, nenhum riso nos sai de graça. Embora pareça risível o modo como a família atua sexualmente, ou como comem, ou sua aparência física, tudo resulta em um quadro de horror e desesperançada repetição. Em uma das cenas, pode-se ver a divisão que existe entre a favela e o “outro lado”, a Roma dos turistas e da arte eterna. Na Roma de Giacinto e família, a beleza não os visita. As cores estão ali, mas não aparecem de fato. Todos os personagens são feios e decadentes. Por isso Iside é tão importante.

O nome provém da deusa egípcia Isis, símbolo da fertilidade, e significa “eu nasci de mim mesma, não venho de ninguém”. E é como ela surge para Giacinto. A imagem é de suavidade e cor. As formas avantajadas compõem certa voluptuosidade ingênua, como um quadro de Botticelli ou de Botero. Porém, horas depois, quando está comendo rabo de boi com o recente amante, essa visão se perde. Tudo fenece ante os Mazzatella.


Feios, Sujos e Malvados parece ser a composição de um caos de proporções bíblicas. Se não é o fim do mundo, é a absorção das pessoas por um ciclo de miséria e de abjeção. Isso pode soar moralista, mas quando se observa a última cena do filme, uma das mais cruéis que já vi, parece que, de fato, a terra sucumbe na mais santa das cidades.

 

Texto: Rosane Cardoso

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