quarta-feira, 6 de maio de 2015

Pra Ouvir - Marcelo Jeneci

Não existe chavão maior, quando o assunto é a atual produção musical brasileira, do que dizer que não se faz mais música nacional como antigamente. Se você, caro leitor, é desses que compactua desta ideia, sinto lhe dizer: está na hora de você rever seus conceitos. Sim, artistas ligados à Bossa Nova, a Tropicália ou ao rock de Brasília nos anos 80, pra citar apenas três vertentes nascidas por aqui, estão eternizados nos corações dos fãs da boa música de outrora feita em nossa Pátria amada. Mas é preciso que se diga que, ao contrário do que se pensa, poucas vezes tivemos à nossa disposição tantos músicos, compositores e instrumentistas inspiradores, ou mesmo bandas capazes de apresentar repertórios ao mesmo tempo simples e complexos, de arranjos elementares mas também virtuosos.

Sempre que ouço o tal lugar comum, citado no parágrafo anterior, costumo perguntar para o emissor da assertiva: já ouviste alguma vez Marcelo Jeneci? É uma espécie de desafio que criei: convido a pessoa a ouvir UMA MÚSICA do cantor e compositor paulista. Apenas uma. De preferência Pra Sonhar - quem quiser, já pode dar o play ali embaixo -, ou Felicidade, pra citar apenas duas das maravilhosas gemas sonoras compostos pelo artista, que também é hábil em muitos instrumentos, e que começou tocando sanfona na banda de Chico César. Devo dizer que, na maioria dos casos, as respostas são positivas. Especialmente pelo fato de que, este jornalista e blogueiro, também se desafiou, em algum momento, a ir para além daquilo que toca nas AMs, FMs, nos elevadô.



É claro que o trabalho de um artista apenas não seria recorte suficiente para se dizer que a produção musical de hoje em dia é boa. Mas aí, se você quiser dar um passo além, é só escolher: Tulipa Ruiz, O Terno, Apanhador Só, Transmissor, Silva, Cícero, Vanguart, Carne Doce, Wado, Mombojó, A Banda mais Bonita da Cidade. As opções são muitas. O quadro Pra Ouvir, dialoga um pouco com essa ideia. É (tentar) falar um pouco sobre o que se está fazendo, musicalmente, na atualidade. E são coisas muito boas. Não temos a intenção de soar presunçosos em nossas ponderações. Apenas falar do que gostamos. E o Jeneci é um daqueles que, com seu som multifacetado e heterogêneo, mas sem se distanciar daquilo que poderia ser um produto do rádio, merece ser descoberto, representando com muita dignidade o atual momento de nosso cancioneiro.

O artista, evidentemente, não trabalha sozinho. A parceira vocal, Laura Lavieri, com sua voz adocicada, contribui para criar o clima idílico exigido por algumas composições - casos de Por Que Nós? e Quarto de Dormir no primeiro álbum e Pra Gente se Desprender e Um de Nós, no segundo registro. Fora os tantos músicos e instrumentistas convidados (mais, no box abaixo), que dão uma boa dimensão do alcance do artista, capaz de trafegar bem nas mais diversas searas. O pop de Jeneci é doce, de certa forma romântico, muitas vezes ensolarado, em outras melancólico. Até brega - no melhor sentido da palavra. Mas sempre sofisticado. Daqueles pra cantar junto aos berros nos shows - que, posso dizer com certa propriedade, são contagiantes. Você vai rir, sem perceber / Felicidade é só questão de ser, diz a letra de Felicidade. Pois eu vos digo: felizes somos nós em poder contar com uma forma tão elevada de arte.


Feito pra Acabar (2010)

Pop, rock, sertanejo, música havaiana, anos 60, Roberto Carlos, temas instrumentais de filmes hollywoodianos... são tantas as referências no aclamado disco de estreia, que ele mais parece uma coletânea de hits. E o mais legal: ainda que o emaranhado seja amplo e, eventualmente complexo - como em Longe, que chegou a ser gravada por Leonardo (sim, o sertanejo), ou mesmo na música título - a sensação é de sempre haver um diálogo permanente entre os temas tratados no álbum. O instrumental, por mais que estabeleça contato com os anos 60 - Felicidade até parece uma canção do grupo Marmalades, por exemplo - é riquíssimo, indo para além do baixo, da guitarra e da bateria e não são raros os momentos em que encontramos pianos, violões, teclados, bandolim, bongô, sax, entre outros. Todos executados por músicos convidados como Edgard Scandurra (Ira), Régis Damasceno (Cidadão Instigado) e Curumin. As letras são capazes de gerar efeitos mais positivos do que qualquer livro de autoajuda. Como não se encantar já nos versos de abertura de Pra Sonhar (Quando te vi passar fiquei paralizado / tremi até o chão como um terremoto no Japão / Um vento um tufão / Uma batedeira sem botão / Foi assim, viu? / Me vi na sua mão)? Ouça: Felicidade, Pra Sonhar, Por Que Nós? e Dar-te-ei.


De Graça (2013)

Após o elogiado disco de estreia, a impressão que deu foi a de que Jeneci, Laura e companhia, ficaram mais a vontade para flertar de forma (ainda) mais direta com o pop. A música título, com a sua letra divertida e estilo suingado, te pega já na primeira audição. Sentir o sol te acordar / Bem de manhã / Quem acha pra comprar? diz a letra que reflete sobre o fato de as melhores coisas da vida serem de graça - seja um grande amor, um abraço, uma amizade verdadeira, os sonhos ou o coração cheio. Tudo recheado por uh uh uhs e oh oh ohs pra galera cantar. A porção mais "erudita" do registro - casos de O Melhor da Vida e Pra Gente se Desprender -, de forma alguma é representada por excessos experimentais ou pretensiosos. Ao contrário. Já viu algo mais simples do que o verso O que vale nessa vida é ver como você aproveita / Desde a hora que levanta até a hora que deita, da linda O Melhor da Vida? Pois é, o clima todo do registro é assim. Às vezes é tão simples, pop e atual que até parece cantiga de roda, como no caso da engraçadinha Só Eu Sou Eu. E, pra quem ficou curioso, o disco está disponível para audição na página do artista. De graça - com o perdão do óbvio trocadilho. Pra quem quiser investir no disco físico, em ambos os casos encontrará artes maravilhosas e as letras no encarte.Ouça: Alento, De Graça, Nada a Ver e O Melhor da Vida.


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