De: Win Wenders. Com Bruno Ganz, Solveig Dommartin e Otto Sander. Drama / Fantasia / Romance, Alemanha Ocidental / França, 1987, 128 minutos.
Se o filme Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin) fosse um livro, muito provavelmente ele seria uma coletânea de poesias, talvez existencialistas ou expressionistas, repleta de divagações a respeito do nosso lugar no mundo, de questionamentos metafísicos, de digressões contemplativas, de pensamentos elegíacos. Mais atmosférica obra do diretor Win Wenders - de títulos variados como os igualmente valiosos Paris Texas, Buena Vista Social Club e Pina - o filme acompanha o dia a dia de dois anjos, Damiel (Ganz) e Cassiel (Sander), que perambulam pela Berlim devastada pelo pós-guerra, tentando levar, a sua maneira, um pouco de conforto para as pessoas, que, em suas rotinas, vivem as mais variadas angústias cotidianas. Muitas delas internalizadas por momentos da mais profunda solidão.
Damiel e Cassiel aparecem quase como super-herois em suas capas pretas, sorrisos enigmáticos e rabos de cavalo nos cabelos. Na capital alemã, se prostram junto a grandes estátuas e construções, não podendo ser vistos pelos humanos. A exceção são as crianças e os cegos que, aparentemente, são capazes de sentir a sua presença. Então não é surpresa ver a dupla em cenários variados como bibliotecas, hospitais, quartos de hotel ou mesmo sentados ao lado dos passageiros no metrô, o que possibilita a ambos uma maior aproximação das ânsias e sofrimentos mundanos. Em cada lugar ouvem, telepaticamente, as inquietações de cada um, alcançando, minimamente, alguma manifestação de esperança. Algo que pode surgir por meio de um simples pensamento positivo, que represente uma inversão de expectativas.
Em uma de suas tantas andanças, Damiel vai parar em um circo itinerante que tem sua última apresentação agendada para a noite seguinte. No local "conhece" Damion (Dommmartin), uma bela trapezista que, dado o contexto relacionado ao seu trabalho, também está angustiada. E cheia de pensamentos relacionados ao seu futuro ou sobre a falta de algo próximo a isso. Damiel tenta ajudar Damion mas, mais do que isso, se apaixona pela jovem, dotada de uma beleza estonteante. Esse cenário fará com que ele questione também a sua existência, passando a desejar as mais prosaicas ações possíveis para um ser humano, sejam elas abraçar, tocar, sentir. Um encontro com um ator - Peter Falk, famoso pelo personagem Columbo, interpretando a ele mesmo - também auxiliará o anjo em seu processo de decisão.
A película poderá parecer meio lenta em algum momento, mas o andamento quase no formato de um adágio, se faz necessário para que a absorção de cada sequência, de cada cena ou enquadramento, possa ser melhor aproveitada. Além das magníficas interpretações - Ganz, em especial (e, pra quem não lembra dele, é o ator que interpreta Adolf Hitler em A Queda) -, o filme se destaca pela fotografia exuberante de Henri Alekan, que equilibra bem as imagens em preto e branco, que é como os anjos enxergam o mundo, em contraste com a paleta quente e vibrante de cores dos cenários dos humanos. Wenders foi melhor diretor em Cannes pela obra, que permanece até hoje como uma das melhores do cinema alemão. Algo que nem Cidade dos Anjos, a melosa versão de Hollywood com Nicholas Cage e Meg Ryan, consegue apagar.
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