segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Novidades em Streaming - Sol de Inverno (Boku no Ohisama)

De: Hiroshi Okuyama. Com Keitatsu Koshiyama, Sosuke Ikematsu e Kiara Nakanishi. Drama, Japão / França, 2024, 90 minutos.

Existe uma cena bastante singela ainda no início de Sol de Inverno (Boku no Ohisama) e que, em alguma medida, resume o encantamento daquilo que acompanharemos na obra do diretor Hiroshi Okuyama. Nela, o pequeno Takuya (Keitatsu Koshiyama) fica hipnotizado enquanto assiste a um grupo de meninas praticando patinação no gelo. A estação mais gelada do ano chegou, e o jovem troca o beisebol dos dias primaveris, pelo hóquei congelante, em que ele não parece se adaptar muito bem. Como goleiro - que é o que sobra pra quem não tem muita habilidade em qualquer esporte coletivo -, ele acaba levando uma dolorida "bolada" (ou discada, vá lá), que lhe dá um vergão junto às costelas. A real é que ele abomina com todas as forças o hóquei sobre o gelo. E o interesse pelas patinadoras não envolve necessariamente as meninas em si e, sim, a delicadeza do esporte que ele observa. Com seus gestos majestoso e elegância única.

Sim, como se fosse o menino apaixonado por balé clássico de Billy Elliot (2000), aqui temos um garoto que sonha em ser patinador artístico. Algo que ele nem entende direito por quê gosta. "Um esporte de garotas", debocha uma das meninas quando percebe Takuya - que, de quebra, sofre uma gagueira que lhe rende o apelido de Tata - ensaiando os primeiros (e um tanto desajeitados) passos. Só que no canto do rinque, o protagonista também é espionado pelo professor Arakawa (Sosuke Ikematsu), que fica comovido com as tentativas do menino, com suas repetidas quedas e jeito meio desengonçado. "Os patins de hóquei não servem para isso", explica o instrutor à Takuya, enquanto lhe estende um par ideal para a prática. "Considere isso um empréstimo", afirma. O que dá início a uma parceria e também a uma amizade entre treinador e aluno.

 


Claro que, diferentemente do que ocorre em filmes hollywoodianos, aqui não teremos um exame do preconceito e da homofobia tão acentuados, tão escancarados. As coisas ocorrem meio que pelas frestas, evoluindo com sutileza, assim como se espalham de forma econômica, mas vigorosa, os raios de luz que entram no complexo esportivo em que boa parte da ação ocorre. Como filme oriental, muito do que se diz é o não dito. Os silêncios são longos, assim como as sequências cheias de carisma em que a dupla celebra qualquer evolução. Tudo sempre meio na encolha pra não chamar a atenção. Incluído entre as garotas, Takuya passa a fazer dupla com a patinadora Sakura (Kiara Nakanishi), uma atleta bastante técnica, que será justamente o ponto de desequilíbrio. Ela parece nutrir uma certa paixão pelo professor, que mostra uma afetuosa (no melhor sentido) atenção ao seu novo pupilo. Além do fato de o instrutor ser gay - ele tem um namorado que reside com ele. 

Em alguma medida, esse é um filme nunca exagerado. Como se emulasse a passagem das estações, aqui o que vale é o exercício de paciência. As sequências em que a família é envolvida surgem envoltas em uma aura enigmática, quase incerta. Há uma beleza onírica que se percebe já na primeira sequência do longa, quando um Takuya paralisado, percebe a queda dos primeiros flocos de neve que evidenciam a chegada da nova estação. O inverno ali naquela ilha japonesa será invariavelmente gelado, mas o sol será uma figura onipresente, mostrando que há calor em cada fragmento - o que é reforçado pela fotografia levemente granulada, de tons amarelados. Há uma maravilhosa sequência de treino em um lago congelado - cenário que retornará mais adiante -, com um outro sentido. Não há nada definitivo aqui. Apenas um exame sobre liberdade de fazer o que se ama. E de como isso pode ser fundamental na nossa formação como sujeitos.

Nota: 8,0 

 

Cinema - A Vida de Chuck (The Life of Chuck)

De: Mike Flanagan. Com Tom Hiddleston, Chiwetel Ejiofor, Mark Hamill, Karen Gillan e Jacob Tremblay. Drama / Fantasia, EUA, 2025, 111 minutos.

Uma jovem artista de rua toca bateria em uma esquina qualquer. As pessoas passam, não dão muita bola, seguem suas vidas. Aquilo que a gente meio que vê nas grandes cidades, cotidianamente. Até o momento em que um sujeito bem vestido - com um terno bem cortado -, de pasta na mão, cruza por ela. E, de forma inesperada, para. Para, ouve, começa a absorver aquele ritmo cadenciado e inicia uma dança. Que começa econômica, mas evolui de forma expansiva, chamando a atenção de outros. Uma outra mulher é convidada pelo homem a dançar com ele, se propondo a conduzi-la. O que formará um conjunto belo e envolvente, e que talvez dê conta do caráter aleatório da existência. A gente nunca sabe onde está exatamente a linha de chegada, quem deixará marcas em nossas vidas, quais memórias teremos. Ou mesmo dores, desejos, arrependimentos. É meio óbvio que tudo isso nos percorra. E ao mesmo tempo muito lindo como A Vida de Chuck (The Life of Chuck) lida com todas essas questões.

A etapa em que o homem dança com a mulher, ao som de uma baterista em um dia tranquilo faz parte do segundo ato da obra de Mike Flanagan, inspirada em um conto recente de Stephen King (aliás, uma das especialidades do realizador, adaptar obras do autor de livros de mistério). Esse segmento - seu título é Artistas de Rua Para Sempre -, é meio que fundamental para a compreensão daquelas que parecem ser algumas das ideias centrais da produção. A de que não somos absolutamente nada e ninguém "na fila do pão", mas que ao mesmo tempo somos capazes de coisas maravilhosas. Chuck (Tom Hiddleston na fase adulta), o homem que dança, é apenas um contador que deixou o sonho de ser artista pelo caminho. Mas que reaviva esse ideal, justamente no momento em que encontra Taylor (Taylor Gordon), a baterista. Chuck ainda não sabe, mas tem apenas nove meses de vida pela frente. Ou vai ver talvez ele saiba e sinta isso. E não queira desperdiçar nenhuma oportunidade.

 


Importante que se diga que nenhuma análise que se faça desse belo projeto poderá ser definitiva. Essa é uma obra bastante aberta e cheia de possibilidades de interpretação. Chuck é alguém que morre com apenas 39 anos e, quando o filme começa, no exato instante em que o ocaso de sua existência parece em curso, ao mesmo tempo o nosso planeta parece ir pelo mesmo caminho. No ato 3, chamado de Obrigado, Chuck - sim, a coisa vai de trás pra frente, tornando tudo mais formidável - temos o professor de Ensino Médio, Marty Anderson (Chiwetel Ejiofor). Que parece enfastiado com os rumos da educação, ao mesmo tempo em que se depara com o caos ambiental que se instala - com grandes tsunamis, queimadas, vulcões e crateras que afetam sua vida e os demais -, que resulta na queda da internet, na perda de serviços telefônicos, da luz e da esperança como um todo. Desesperado, ele tenta ir ao encontro de sua ex-esposa Felicia (Karen Gillan), enquanto tudo o que enxerga são placas, outdoors e mensagens oficiais na TV, saudando a existência de um certo Chuck. Que parece ser ao mesmo tempo o último meme, e algum tipo de esperança que conecta todos ali ao espaço material. 

Já na primeira parte, Eu Contenho Multidões, viajaremos para infância e para a juventude de Chuck, com suas memórias embotadas pela perda precoce dos pais em um acidente de carro, com ele sendo criado pela afável avó Sarah (Mia Sara) - que é quem estimula o protagonista a dançar - e pelo taciturno avô Albie (Mark Hamill), que se torna alcoólatra após a perda do filho. Na casa dos avós, permanece um mistério que envolve um quarto no sótão: a recomendação é de que ele nunca seja aberto. Sob hipótese alguma. Na juventude, os dissabores e as complexidades do crescer, com suas paixões gerais e incertezas, colidem com certo idealismo capaz de superar fantasmas literais, ou reais, que rondam a vida do menino. Fantasioso, eventualmente onírico, repleto de simbolismos e de metáforas sobre dor, perdas, memória, luto e amadurecimento e futuro, essa é uma das grandes obras da temporada e que nunca se fecha simplesmente, quando sobem os créditos. Somos uma partícula minúscula dentro da teoria do Calendário Cósmico - nos lembra o professor Marty em certa altura. E ainda assim, repletos de vida, de contradições e de experiências extraordinárias. 

Nota: 9,0