segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Tesouros Cinéfilos - Sing Sing

De: Greg Kwedar. Com Colman Domingo, Clarence 'Divine Eye' Maclin e Paul Raci. Comédia / Drama, EUA, 2024, 102 minutos.

Mais um filme sobre o poder transformador da arte - inclusive como política de ressocialização de presos. Assim é Sing Sing, drama dirigido pelo ainda desconhecido Greg Kwedar, que conta a história inspirada em eventos reais sobre um grupo de encarcerados de uma prisão de segurança máxima de Nova York, que participa de um programa de Reabilitação Através das Artes (RTA). E devo confessar que dei o play com certa desconfiança, até mesmo por soar meio batido esse subgênero de pessoas buscando algum tipo de redenção em um contexto que, em alguma medida, parece não lhes pertencer. Sim, em séries recentes como Barry, a gente já experienciou assistir a um assassino em série que entra em um grupo de teatro como parte de seu próximo "trabalho" - e começa a repensar suas decisões na vida ao ingressar no universo dos palcos. Só que diferentemente da comédia da HBO, aqui o componente realista é o que nos pega. E nos conduz em uma jornada tão edificante quanto surpreendente.

Porque uma coisa que só fui descobrir fazendo uma pequena pesquisa pra essa resenha é que muitos atores coadjuvantes que vemos em cena integraram, de fato, o programa. Que, aliás foi um sucesso, já que estudos mostram que a taxa de reincidência criminal (e de retorno para a prisão) em até três anos após a libertação é inferior a 3% para os integrantes do projeto (contra 60% de média nacional). O que dá conta, também, do poder das oportunidades - que, claramente, conseguimos perceber que não é a mesma para grande parte das pessoas, especialmente aquelas que emergem das camadas sociais mais vulneráveis. O que dá uma dimensão da importância de projetos sociais de música, de cultura, de cinema, de esportes e de educação em comunidades mais pobres. O filme mostra um sem fim de talentos artísticos desperdiçados por motivos de "vida real". Com a entrada para o crime sendo, muitas vezes, o caminho natural para quem terá menos acesso a tudo.

 

 

De forma deliberada, o filme não centra sua narrativa nos crimes cometidos ou nos esforços de advogados em conseguir acordos ou reduzir penas. Ou mesmo na violência do Estado ou no racismo estrutural como componente - talvez na intenção de não forçar a barra na busca pela empatia (e todos certamente têm suas histórias). O protagonista, Divine G é vivido com entusiasmo apaixonado por Colman Domingo - e não será nenhuma surpresa ele ser lembrado na temporada de premiações (inclusive no Oscar). É ele que conduz a narrativa por dentro dos corredores da prisão - como um participante ativo do programa (ele é um dos fundadores e um dos principais atores). Após o fim de uma temporada de apresentação shakespereana, os presos realizam um brainstorm - e um dos outros encarcerados, o temperamental Clarence 'Divine Eye' Maclin (como ele mesmo), sugere uma comédia. Até mesmo para amenizar as dores da vida real. Dá discussão sai uma ideia estrambótica: fazer uma peça cômica chamada Breaking the Mummy's Code, que mistura Banzé do Oeste, Gladiador, De Volta Para o Futuro e A Hora do Pesadelo, com boas pitadas de Hamlet.

Em muitas medidas é extremamente divertido ver um grupo de pessoas não acostumadas à atuação, em um esforço para colocar uma peça de teatro nos palcos - com os presos sendo conduzidos pelo levemente excêntrico diretor Brent Buell (Paul Raci, que vimos recentemente em O Som do Silêncio (2019). Entre idas e vindas, dilemas, rivalidades e incertezas (inclusive sobre o teatro em si, seu propósito e suposto falseamento da realidade), esse é aquele tipo de projeto que brilha nos instantes mínimos - como a pequena conquista de conseguir realizar uma cena, ou mesmo a obtenção de um aporte financeiro obtido junto a executivos, que possibilitará a continuidade do programa. E, claro, existe a vida real e o desejo de liberdade que perpassa todos que estão ali - e é justamente ao encarar a complexidade do sistema jurídico, que Domingo ilumina ainda mais sua atuação, sendo praticamente impossível não se comover. Aliás, é um paradoxo interessante que, em certa altura, alguém bastante importante pergunte a ele se ele "está atuando". Todos ali estão. E muito bem.


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