De: Coralie Fargeat. Com Demi Moore, Margaret Qualley e Dennis Quaid. Ficção Científica / Horror, EUA / França / Reino Unido, 2024, 141 minutos.
Ficou mais ou menos famoso o caso recente de uma jovem influencer de pouco mais de 30 anos que, na busca de melhorar sua aparência, perdeu parte do lábio e teve o rosto deformado após a aplicação de um produto que não era recomendado em cirurgias de harmonização facial. E basta uma pesquisa rápida no Google, com as palavras-chave adequadas, para sermos inundados com um sem fim de notícias de procedimentos estéticos que deram errado, que saíram do controle e que, se não levaram a pessoa à morte, prejudicaram (e muito) a saúde dos envolvidos. A busca por padrões estéticos inalcançáveis, que se somam ao etarismo como um fardo moderno, especialmente para as mulheres, certamente rende horas de discussões, de teses e de estudos. E que um filme como A Substância (The Substance) contribua para esse debate de forma tão eficiente, chocante e sem concessões, é algo não menos do que notável.
Sim, as pessoas saíram das salas de cinema aterrorizadas com o body horror dirigido pela francesa Coralie Fargeat, que agora está disponível na Mubi (e segue em cartaz nos cinemas). Sim, a obra leva à busca pela perfeição estética e pela juventude como sinônimo de beleza ao limite do aceitável, ao nos apresentar à Elisabeth Sparkle (Demi Moore) - uma antiga estrela de Hollywood (com direito à nome na Calçada da Fama e tudo) que, hoje, próxima dos 60 anos, sobrevive com um programa matinal de ginástica para a terceira idade (daqueles bastante populares nos Estados Unidos). Só que Elisabeth tem percebido um movimento nos bastidores envolvendo acionistas e diretores - sempre aquele grupo de idosos decrépitos que, sem parecer ter espelho em casa, vivem de criticar a aparência alheia com um sem fim de comentários sexistas -, que pretendem substituí-la por alguém mais jovem. Que dê mais audiência. Que gere mais interesse do que uma senhora com sua "malhação jurássica".
Ao invés de se resignar e tentar lutar por seu espaço como uma Margo Channing - a personagem de Bette Davis no clássico A Malvada (1950) -, Elisabeth faz o que, infelizmente, muitas mulheres do ano de 2024 fariam: adquire um kit para um tratamento experimental com um produto injetável, que lhe possibilitará ter acesso a uma versão "melhor de si mesma". Mais jovem. Mais vivaz. Tudo começa quando, desalentada, Elisabeth sofre um acidente justamente após ver um outdoor com o seu rosto sendo removido. É no hospital que ela conhece um excêntrico enfermeiro de pele plastificada (Robin Greer), que lhe entrega um pendrive com instruções. O que envolve a ida a um local meio Quero Ser John Malkovich (2000) das ideias, com cores contrastantes, espaços apertados e algo tipo uma gaveta séptica onde ela retirará o aparato, que conta com um produto de cor amarela esverdeada radioativa (só faltou a caveirinha), que deve ser aplicado com uma seringa gigantesca para a obtenção do efeito desejado.
Sem pestanejar e, diante das reprimendas do seu chefe no canal de TV, o executivo Harvey (Dennis Quaid, no modo misógino de alta performance), Elisabeth executa as instruções, "libertando" de si própria a sua versão jovial e magnética, que leva o nome de Sue (Margaret Qualley). O manual do produto é claro: é preciso manter o equilíbrio entre os corpos, o que envolve idas e vindas entre um e outro, com um sistema de estabilização que desafia as leis da física (mas que para uma ficção científica que se mescla ao horror estilo David Cronenberg turbinado, funciona direitinho). E é óbvio que não é preciso ser nenhum expert para saber que Elisabeth/Sue ficará obcecada por sua versão idealizada de juventude. O que fará a coisa toda desandar. Gerando uma insatisfação que só aumenta - assim como aumentará o gore - e eu confesso a vocês que suporto muitas coisas no cinema, mas aqui me vi virando a cabeça em alguns momentos, de tão angustiado (e isso é um elogio).
Fargeat pode até exagerar na dose ao tentar reforçar seu ponto ou a sua bandeira - e a mensagem sobre a necessidade de autoaceitação em tempos de redes sociais, de filtros, de aparências perfeitas e de procedimentos estéticos dispensáveis e totalmente invasivos é mais do que óbvia. Mas essa é daquelas obras bacanas para a discussão pós sessão, justamente por inserir uma série de elementos que vão para além das questões ligadas aos padrões de beleza inalcançáveis. Há um subtexto, por exemplo, sobre a dificuldade de obtenção de certos papeis no cinema e na TV por mulheres mais velhas (e olha quanto tempo a gente não via a própria Demi Moore, que foi uma das musas dos anos 90, em um papel de destaque, sendo que, ela segue talentosíssima e linda como nunca). Outro aspecto envolve as mudanças brutais em nossos corpos, que, quase nos transmutam em outras pessoas, irreconhecíveis por vezes. Fantástico, repulsivo, delirante, estiloso, cruel e visceral, esse é daqueles filmes que ficam colados com a gente após a subida dos créditos. Assim como colam os rostos, os sons, os gostos, os cheiros e os fluídos do que assistimos. Filmaço, que merece toda a sorte do mundo no próximo Oscar.
Nota: 9,5
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