De: Nanni Moretti. Com Nanni Moretti, Margherita Buy, Jasmine Trinca e Mathieu Amalric. Comédia / Drama, França / Itália, 2023, 94 minutos.
Não sei se é apenas impressão, mas estaria o Nanni Moretti se convertendo em um véio amargurado, daqueles que é incapaz de perceber que os tempos mudaram e que as transformações - políticas, sociais, culturais - ocorrem mais ou menos na velocidade da luz? Sim, porque só dessa forma parece ser possível explicar a existência de um filme tão autoindulgente como O Melhor Está Por Vir (Il Sol Dell'avenire) - o mais recente projeto do premiado realizador, que venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes, com o inesquecível O Quarto do Filho (2001). Aqui, Moretti encarna Giovanni, um diretor de cinema que parece já meio distante dos seus dias de glória e que perambula pra lá e pra cá de forma claudicante entre o set de sua nova produção para as telonas - uma obra com pano de fundo histórico sobre conflitos internos envolvendo integrantes do Partido Comunista Italiano em meados dos anos 50 - e a vida doméstica, com uma separação que se avizinha.
Importante que se diga que não há problema algum em uma produção ser caótica, estranha e metalinguística. Só que esse aqui quase pende pro aborrecimento ao tentar abarcar um monte de coisas ao mesmo tempo e de forma esparsa. Ok, sabemos das posições políticas de Moretti e um filme dentro de um filme sobre comunistas do pós-guerra insatisfeitos com a invasão russa à Hungria, que recebem uma trupe circense de Budapeste, e de como essa controvérsia poderia manchar a imagem do partido, é só uma das alegorias para o desgosto geral em relação aos rumos da própria existência do protagonista. Imaginando-se um sujeito de grande virtude, ele simplesmente não aceita que seu casamento está ruindo. Mais do que isso, fica incomodado de este ser o primeiro projeto que não será produzido por sua esposa e parceira de negócios Paola (Margherita Buy), que está envolvida em uma obra genérica de gângsteres, com violência estilizada e comando de um jovem diretor. Com quebras de andamento, elipses e outras trucagens, Giovanni rumina aqui e ali. Sem se fixar em parte alguma.
Em alguma medida essa mescla de cinema, política moderna e dramas íntimos e familiares não chega a ser uma novidade na filmografia do italiano, como no caso do ainda recente Minha Mãe (2015). Só que tudo que soava inspirador, denso e metafórico naquele, soa vazio, teatral e repetitivo em O Melhor Está Por Vir. Até a estrutura parece semelhante, com os bastidores das filmagens se colocando como veículo para a verbalização de angústias, medos, frustrações e incertezas. Em uma longa e curiosa sequência, por exemplo, Moretti vai até o set de filmagem da obra produzida por Paola para, simplesmente, interromper a ação de um homem apontando uma pistola para a cabeça de outro, sob a alegação de a violência estilizada ser algo sem propósito (e que poderia gerar o efeito inverso na audiência). É um instante que era pra ser engraçado, com direito até a uma "participação" de Martin Scorsese. Mas tudo soa apenas caricato.
Tudo bem que Moretti não precisa mais provar nada pra ninguém. É um dos grandes diretores vivos, dono de uma verve sempre provocativa e autoirônica, que, em alguns casos, pende pra subversão. Mas ao dar voltas em torno de si para reclamar sobre como a Netflix vai dominar o mercado com seus produtos genéricos (exibidos em 190 países), sobre como a pureza da arte e o cinema de autor podem estar com os dias contados - o que é evidenciado pela falta de financiamento -, ou de como o fantasma do comunismo inexistente segue rondando o espectro político de uma Itália governada pela extrema direita, o diretor parece aquele idoso ranzinza, que não encontra o próprio óculos e que fica colocando a culpa nos outros (até perceber que o aparato tá diante do próprio nariz). Essa comiseração, ali pelos 60 minutos cansa. Justo no momento que deveria ser o do what a fuck. Nessa hora a gente só quer que o filme acabe. E fica na torcida para que o próximo, o do amanhã, seja melhor.
Nota: 4,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário