segunda-feira, 12 de abril de 2021

Pérolas da Netflix - O Tigre Branco (The White Tiger)

De: Ramin Bahrani. Com Adarsh Gouray, Priyanka Chopra, Rajkummar Rao e Kamlesh Gill. Drama / Policial, Índia, 2021, 127 minutos.

É uma Índia bastante estereotipada e cheia de contrastes aquela se vê em O Tigre Branco (The White Tiger), um dos recentes - e badalados - produtos da Netflix. Indicada ao Oscar na categoria Melhor Roteiro Adaptado, a obra, baseada no livro do escritor Aravind Adiga (que eu não li), parece estar sempre disposta a um tipo de "elogio" meio torto à selvageria capitalista, ao nos apresentar sujeitos tidos como vitoriosos, quão maior for seu grau de filhadaputice. Sim, aqui e ali há embutida uma relevante discussão social sobre luta de classes, sobre como o extrato mais rico exaure o mais pobre e sobre como as escolhas políticas influenciam a vida de todos. Mas, no mais, trata-se de um filme sobre a ascensão do sujeito comum, que sai do nada, usa algumas habilidades e um outro tanto de influência e enfrenta a corrupção generalizada do sistema para fazer fortuna em uma Índia naufragada na pobreza. Eu, sinceramente, não sei se comprei totalmente a ideia do filme. Mas, vá lá, ele tá aqui no Pérolas.

O protagonista é um jovem ambicioso de nome Balram (Adarsh Gouray). No preâmbulo do filme, enquanto a história volta no tempo pra narrar a sua juventude em flashbacks (bastante estilizados), nos deparamos com frases que parecem saídas de algum livro de autoajuda do universo do economês e que servirão de fio condutor. E a mais gritante dessas frases dialoga com o título da película, que lembra o espectador de que apenas uma vez, a cada geração, nasce um raro "tigre branco" - que servirá como metáfora para o único sujeito vencedor (especialmente no espectro financeiro), a cada temporada. Balram, então, se apresentará como essa figura, especialmente após utilizar a sua inegável astúcia para se tornar o motorista de Ashok (Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra), casal que integra as altas castas indianas. Só que em uma noite em que tudo sai errado, Balram percerberá as injustiças existentes no modelo que o coloca como serviçal de mestres ricos. O que o deixará tentado a "dar o troco".


É nesse clima meio Lei de Talião que as bastante cansativas mais de duas horas se desenrolam. Enquanto narra a sua história abusando de alguns clichês - acreditem, lá no meio alguém lembrará da frase de Buda que respondeu, quando perguntado sobre se era um homem ou um Deus, que era "apenas alguém que havia acordado, enquanto os outros dormiam" - Balram ganhará alguma consciência, ainda que na marra, enquanto lida com dificuldades familiares, problemas relacionados a um crime cometido e medos relacionados ao futuro. Há, entre uma cena de tensão e outra conforme o filme avança, alguma tentativa de tornar o roteiro mais leve (ou menos violento), com a inserção de uma ou outra piada sobre hábitos e costumes locais ou sobre comportamentos anacrônicos típicos da comunidade indiana. Ao falar sobre as castas existentes no País, Balram brinca de que existem apenas duas: as dos homens barrigudos (ricos) e a dos magros (pobres). E quando surge o temor de ser perseguido pela polícia, o protagonista debocha de que seria difícil encontrá-lo: "nós, indianos, somos todos iguais" (o que emula a antiga e xenófoba piada de tiozão que diz que "tudo igual é um caminhão cheio de japonês").

No combo geral até não é um filme ruim. Novamente: há uma tentativa válida aqui de se tentar colocar em discussão os absurdos políticos, sociais, culturais e até religiosos, que determinam o destino de milhares de pessoas em países de Terceiro Mundo. E de como muitas vezes os pobres apenas aceitam o seu destino porque, afinal de contas, é assim mesmo. Só que, quando "desperta", Balram o faz com um senso de moralidade meio questionável. Aliás, ele admite o fato de que, "para se vencer na vida só há dois caminhos possíveis: por meio da polícia ou pelo crime". É um filme estiloso, bem costurado, vivo. Tem boa montagem e uma fotografia e desenho de produção que contribuem para evocar o aspecto fervilhante e caótico do País de Mahatma Gandhi e Dhalsim. Mas dado o hype, confesso que esperava um pouco mais. Ou ao menos algumas lições mais "aproveitáveis" sobre o senso de justiça social. Por mais que a revolução pessoal e anárquica, diante de um sistema absurdamente fraudulento e desigual, possa parecer, ao menos naquele caso, o único caminho possível.

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