segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Cinema - Terra Estranha (Strangerland)

De: Kim Farrant. Com Nicole Kidman, Joseph Fiennes, Hugo Weaving e Maddison Brown. Suspense / Drama, Austrália, 2016, 112 minutos.

Pode-se dizer que Terra Estranha (Strangerland), filme de estreia de Kim Farrant, tem alguns méritos e um bom punhado de problemas. A grande virtude da obra, sem dúvida alguma, está na construção de um envolvente clima de suspense, que se sustenta mais ou menos até a metade da película. A moda de outras do gênero - como os ótimos Medo da Verdade (2007) e Os Suspeitos (2013) -, a trama gira em torno do desaparecimento de crianças. No caso, os dois filhos do casal Catherine (Kidman) e Matt (Fiennes), que, não faz muito, se mudaram para um lugar ermo, em meio ao deserto australiano. O epílogo interessante, que envolve o jovem Tommy (Hamilton) caminhando sem rumo em meio a madrugada, aliado ao comportamento absolutamente precoce - do ponto de vista sexual - da filha de apenas 15 anos (Brown) parece ser a deixa para que, cedo ou tarde, segredos envolvendo a família disfuncional venham à tona.

O fato de a família manter uma relação distante com os vizinhos e com os demais moradores da localidade também parece sinalizar para o fato de que há algo de estranho no ar. E não se pode negar que, nos momentos iniciais, Farrant constrói o filme sem pressa, abusando das imagens aéreas, dos planos gerais e dos travellings que buscam retratar a vida inóspita no meio do nada, em um cenário desolador em que tudo o que se vê é o amarelo escaldante da areia que reflete o sol, para onde quer que se olhe. Não bastasse o cenário opressor, é quando chega uma devastadora tempestade de areia, que os jovens efetivamente desaparecem. Enquanto a cidade tenta se recuperar do trauma do fenômeno natural, Catherine e Matt apelam para todas as possibilidades na busca pelos filhos, contando com a ajuda de David (Weaving), que atua como um xerife local.


Só que o caso é que, quanto mais a busca pelas crianças avança, mais o filme vai perdendo o sentido. Em geral não sou de me queixar sobre as conhecidas "pontas soltas" que deixam muitos filmes em aberto para a interpretação do espectador. Só que este, na aparente tentativa de apresentar várias subtramas, acaba não se aprofundando em nenhuma, chegando até mesmo a sugerir certo preconceito em alguns momentos. E o que fica é um amontoado de perguntas sem respostas. O tempo todo ficamos pensando: o que aconteceu? Quem está por trás do desaparecimento dos dois? Quais os segredos envolvendo o passado da família? O pai teria abusado da filha? A mãe teria abusado da filha? Eles foram abduzidos por ETs? Os nativos locais, uma população indígena com suas crenças e lendas, teria envolvimento? Alguma delas é ninfomaníaca? O deserto mata? Ou seria ele o caminho para a vida? A mãe tem problemas mentais? Por quê os outros adolescentes são tão estereotipados? Acredite, todas essas perguntas são POSSÍVEIS em algum momento da projeção, o que dá uma mostra da confusão estabelecida.

Mas o pior de tudo é o fato de que a obra parece, em seu íntimo, reservar um espaço especial para a demonização da sexualidade, já que a personagem de Kidman, pelo que se pode notar, tem um saudável apetite sexual. Ela simplesmente gosta de transar - e até procura outros homens, além do marido, durante o filme. E esse gene parece ter passado para a filha. Só que, como a vontade natural de fazer sexo de ambas é um choque muito grande pra tradicional família americana de bem - e os personagens do filme, como não poderiam deixar de ser, são altamente religiosos -, eles resolvem que Catherine também é da pá virada. Sim, maluca. O que resulta na inclusão de uma cena em que a mãe, desesperada, vai aos gritos para o meio do deserto atrás do filha e, em meio a alucinações envolvendo a jovem, retorna nua e suja para a comunidade. Talvez Freud pudesse explicar essa ideia que cairia bem no começo do século passado em que o prazer sexual poderia ser confundido com loucura. Ou será que isso pode acontecer? Ainda mais no cenário apresentado?


Trazendo no elenco secundário personagens que se esforçam em suas interpretações para contribuir com o clima de suspense consolidado pela obra - o próprio Hugo Weaving tem boa caracterização - o caso é que Terra Estranha fica no quase. Quase bom. Quase legal. Ou talvez o filme seja (quase) genial, vai ver. Genial na ideia de promover a fuga de uma jovem que vê todos os homens ao seu redor - pai, professor, amigos da cidade - interessados exclusivamente eu seu corpo e no prazer hedonista - e invariavelmente misógino - que este pode proporcionar. Mergulhando, assim, na fuga da natureza infinita e de grande magnitude, nem que esta seja em um deserto, que poderia representar a libertação de uma vida de subserviência masculina - algo que talvez a sua mãe não tenha conseguido a vida inteira. Será? Como eu disse são muito mais perguntas do que respostas. A conclusão sobre se isto é bom ou ruim fica com vocês.

Nota: 5,7

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