segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Novidades em Streaming - Não Olhe Para Cima (Don't Look Up)

De: Adam McKay. Com Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Cate Blanchett, Jonah Hill, Timothée Chalamet, Mark Rylance e Rob Morgan. Comédia / Drama, EUA, 2021, 145 minutos.

Pode parecer meio inacreditável que, às portas de adentrarmos o ano de 2022, ainda haja pessoas que neguem a eficácia da vacina contra a covid-19. Que mergulhem em uma jornada tão solitária quanto camicase em que o mundo inteiro está equivocado - a ciência, os pesquisadores, os acadêmicos -, e somente o "alecrim dourado" que governa este ou aquele País está correto. Ou ao menos é o que o tia Zuleica anda espalhando no zap entre uma dose e outra de cloroquina. "A Globo mente, vocês não sabem? Tudo faz parte de uma grande conspiração globalista e comunista que visa a tornar a China ainda mais poderosa", brada o Geraldo, o vizinho que já afirmou que vai votar contra a obrigatoriedade da vacina em crianças em uma consulta pública que será realizada por aqui. Sim, porque na nossa idiocracia tardia quem decide sobre a eficácia da vacina como método de prevenção à maior pandemia do milênio não é a ciência: é o tiozinho ali da padaria. Entre uma cerveja e outra.

Não Olhe Para Cima (Don't Look Up), mais recente filme do sempre debochado Adam McKay - de A Grande Aposta (2015) e Vice (2018) - não é necessariamente sobre a pandemia ou sobre o Bolsonaro e sua abilolada catrefa, que segue atrapalhando a campanha de vacinação como pode. Aliás, a obra foi escrita antes desse desastre global, coincidentemente, acontecer. Ela pode muito bem ser sobre o meio ambiente e sobre o nosso comportamento destrutivo em relação a ele. Ou a respeito da persistência do extremismo de direita em nossos tempos. É um filme americano e, como tal, dialoga muito mais com a política de lá e com o seu contexto social, econômico, midiático e cultural. Mas ainda assim é uma obra de arte que, a despeito desses poréns, dialoga com todo esse contexto ao olhar para o futuro para refletir sobre o presente. E, essencialmente, é uma obra sobre o efeito devastador do negacionismo e sobre como ele compromete avanços nos mais variados campos. E talvez seja por isso que, em matéria de pandemia, ele seja quase profético.


Afinal de contas, poucas vezes vimos governantes, imprensa, formadores de opinião, pesquisadores, médicos, representantes de entidades e a população em geral bater tanta cabeça sobre um assunto, quando o óbvio para absolutamente todo o mundo deveria ser: sigam a ciência. Procurem se informar de forma qualificada. Em periódicos de relevância. Em canais com credibilidade. Evitem a teoria conspiratória. Ou mesmo a vergonha de acreditar numa pandemia - ou mesmo no aquecimento global - como uma fenômeno deliberado, com o único objetivo de comprometer este ou aquele País e sua economia. A China não serviu morcego numa bandeja pra quebrar os Estados Unidos. O desmatamento da Amazônia não é exagero da mídia marxista. Os democratas não tem uma rede de pedofilia no subsolo de uma pizzaria em Chicago. E o Messias, bom... se o Messias voltar para salvar a Pátria, podem ter a certeza de que ele não virá travestido de anticristo.

No filme, como talvez vocês já saibam, Leonardo Di Caprio e Jennifer Lawrence são o Dr. Randall Mindy e a doutoranda Kate Dibiasky. Em um dia de pesquisas rotineiras na Universidade do Michigan eles descobrem algo nada bom: um meteoro de quase dez quilômetros de raio se chocará contra a Terra em cerca de seis meses. E os cálculos apostam em uma probabilidade de 99% de que isso realmente aconteça. Só que o que deveria ser uma corrida contra o relógio para mobilizar todas as forças de defesa possíveis no mundo todo se torna um circo patético que evidencia desde a burocracia estatal, passando pelo sensacionalismo da imprensa - interessada apenas em cliques -, até chegar ao completo descrédito dos cientistas (em muitos casos por motivos bizarros, como a incapacidade de levar uma mensagem de qualidade ou didática para a população em geral). Some-se a isso a ânsia de bilionários interessados em transformar a catástrofe em um evento que gere ainda mais riquezas (certamente para poucos) e está feito o estrago.


Tratada por McKay com a habitual ironia, a obra se converte em uma grande alegoria que tem como pano de fundo o "elogio à estupidez" de nossos tempos. Aqui no Brasil o suposto alarmismo do Átila Iamarino no começo da pandemia - com previsão de um milhão de mortes - foi motivo de chacota pela população, ao mesmo tempo em que todos normalizaram um general DA ATIVA no comando da pasta que deveria cuidar, acima de tudo, da nossa saúde. Memes, leituras equivocadas de cenários, políticas de caça-cliques, populismo barato, patriotismo exacerbado, nada fica de forma nessa sátira que beira o histrionismo e que fará sucesso com fãs de séries como Years and Years - que também reflete à perfeição a entropia de nossa Era. O elenco, composto ainda por Meryl Streep (uma espécie de Donald Trump de saias), Jonah Hill (o Carluxo da Casa Branca) e  Mark Rylance (uma mescla de Elon Musk com Bill Gates), além de Cate Blanchett, Ariana Grande, Timothée Chalamet, Ron Perlman e Rob Morgan é um atrativo a parte. Sim, pode eventualmente soar exagerado - ou até forçado. Mas nos tempos atuais talvez o óbvio tenha de ser dito de forma muito clara. E, nesse caso, o didatismo é uma das forças da narrativa. Não fica nenhuma aresta pra fora. E o final, é literalmente explosivo.

Nota: 9,5

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