De: George Cukor. Com Judy Holliday, William Holden e Broderick Crawford. Comédia / Romance, EUA, 1950, 103 minutos.
"Impressionante a quantidade de coisas interessantes que se aprende lendo". Vamos combinar que a frase dita por Billie Dawn, personagem de Judy Holliday na comédia Nascida Ontem (Born Yesterday), hoje em dia soa quase óbvia, frente à tantas produções que já debateram o assunto. Sim, a educação é emancipadora, todos sabemos, e no caso da protagonista do divertido clássico de George Cukor, que completa 75 anos de lançamento em 2025, essa liberdade é (quase) literal. Já que a ficha dela cai justamente quando ela começa a se aprofundar em suas leituras. É com o estudo sobre os mais variados temas que a jovem perceberá, aos poucos, o quão absurda é a sua submissão ao tosco, mal educado e truculento Harry (Broderick Crawford) - um magnata do ferro velho, com quem ela estava por uma provável falta de autoestima.
Como se fosse a protagonista do recente Pobres Criaturas (2023), do Yorgos Lanthimos - mas com menos psicodelia e um discurso mais direto -, Billie tem uma nova chance de sair da bolha de opressão ao conhecer o jornalista Paul Verrall (William Holden), que vai ao encontro deles em Washington DC com a ideia de escrever uma matéria sobre os negócios (escusos) de Harry, que está na capital federal justamente para encontrar alguns lobistas. Só que o ricaço nega a entrevista com o repórter, mas se afeiçoa a ele. Resolvendo contratá-lo após um episódio em que o brutamontes acredita ter sido constrangido pela mulher, em um encontro com um congressista. Instruído a "educar" Billie para que ela tenha modos mais refinados nessas reuniões com figurões, Paul se aproxima dela e, bom não é preciso ser nenhum adivinho para saber que a ligação entre os dois não será apenas o de tutor e aluna.
Claro, estamos falando de uma obra de 1950 e é evidente que essa narrativa do homem que salva uma mulher para torná-la mais aceita socialmente soa ultrapassada. Mas há que se considerar o tempo em que o filme, inspirado na peça de teatro do escritor Garson Kanin, veio à público. Um tempo em que o machismo e o patriarcalismo costumavam relegar o papel da mulher a espaços sociais bastante restritos e aqui não deixa de ser interessante observar como Billie sai da posição de esposa troféu improvisada de um burguês xucro que trata todas as pessoas, inclusive da sua equipe de assessores, com grosserias e aos berros, para se converter em uma mulher independente, capaz de tomar as próprias decisões de forma autônoma. Não por acaso, em um dos pontos altos da produção, Billie se recusa a assinar uma série de documentos comprometedores por finalmente compreender a natureza obscura daquela papelada (ela era sócia, afinal, de Harry).
Aliás, mais do que isso, como uma jovem meio que à frente do seu tempo e num apelo iminentemente feminista, é justamente Billie quem toma a iniciativa de (tentar) beijar Paul que, inicialmente se esquiva, mas que, mais adiante cai aos seus braços, conforme eles ampliam às visitas a museus, bibliotecas, teatros, memoriais e outros espaços públicos que apenas reforçam a conexão e a sintonia da dupla. A própria frase clássica de Thomas Jefferson, que mais adiante, num contexto de pós Segunda Guerra, poderia funcionar como libelo antifascista (Quando as pessoas temem o governo, isso é tirania; quando o governo teme as pessoas, isso é liberdade) surge como uma lembrança importante do que está em jogo ali, com Harry sendo o tirano simbólico e metafórico a oprimir Billie (que representa, numa alegoria mais do que livre, o povo).
Alternando momentos comoventes, como aquele em que a protagonista narra à Paul sobre as cartas enviadas a seu pai, um homem justo e de caráter a quem ela admira (e com quem não conversava simplesmente pelas dificuldades de escrita); com outros engraçados, como no momento em que um Harry desesperado pergunta ao seu assessor se não há maneira de tornar Billie "burra outra vez", a obra de Cukor permanece essencialmente divertida, com seu texto ágil, situações comicamente inusitadas e mensagem valiosa sobre o poder do conhecimento ("é perigoso viver em um mundo de ignorantes" lembra alguém em certa altura e aí quando vê é negacionismo científico, apego à extrema direita e reacionarismo). Não por acaso, o filme figura em uma série de listas de melhores, como no caso dos 100 mais engraçados da história do American Film Institute (em um honroso 24º lugar). Vale resgatar!
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