terça-feira, 1 de outubro de 2024

Novidades em Streaming - As Três Filhas (His Three Daughters)

De: Azazel Jacobs. Com Carrie Coon, Elizabeth Olsen, Natasha Lyonne, Jovan Adepo e Jay O. Sanders. Drama, EUA, 2024, 101 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]

Em meio a tantos pequenos momentos de impacto do ótimo As Três Filhas (His Three Daughters), obra de Azazel Jabobs que está disponível na Netflix, um em especial ficou impresso na minha mente. Nele, Benjy (Jovan Adepo), o namorado de Rachel (Natasha Lyonne), confronta Katie (a ótima Carrie Coon), que passa boa parte do filme tratando-o como um intruso na casa que, provisoriamente, compartilham. "Sabe quantas refeições eu fiz aqui nos últimos meses? Inúmeras", argumenta o homem, que ainda faz referência à relação cordial que ele preserva com o sogro Vincent (Jay O. Sanders) - atualmente um idoso moribundo que padece de um câncer terminal. Katie, assim como a irmã mais nova Christina (Elizabeth Olsen), está em visita à Rachel - a filha do meio e de outro casamento, que mora com o pai das três -, para acompanhar aqueles que devem ser os últimos dias de vida do genitor.

O comportamento displicente de Katie em relação à Benjy - que, por milímetros não resvala no racismo, especialmente após ela argumentar que sequer se lembra de ter estado com ele anteriormente -, em alguma medida dá conta do descaso dela com a própria família. Mesmo estando por muito tempo ausente, chega ao apartamento de Rachel e do pai como uma espécie de general do exército sisuda, cheia de regras, enxergando defeito em tudo. Ao cabo, ela é uma mulher que não relaxa, que está tensa com as burocracias que podem advir de um futuro funeral - e que vão desde a elaboração do texto do obituário, até o futuro do apartamento, que deverá ser herdado por Rachel. Quando ela encontra a geladeira do local atrolhada de maçãs - algumas delas já ficando podres -, Katie se exaspera. Sendo que será justamente Benjy o responsável por esclarecer as coisas mais tarde: "é só o que Vincent, já muito fragilizado, gosta de comer. E é a Rachel quem está aqui todo o santo dia para picar a fruta e levar pra ele".


 

Em alguma medida esse é um ponto de virada interessante da narrativa que, conforme avança, só nos fará concluir o fato de que todas ali - especialmente as três irmãs - são pessoas com virtudes e defeitos, imperfeitas a partir dos mais variados ângulos, mas que talvez estejam em busca de fazer o melhor. Ou o que pensam ser o melhor. Até a cena de Benjy no conflito com Katie - em que ele revela como Rachel se ocupa em relação ao pai extremamente doente e que necessita de cuidados permanentes (para além dos paliativos, fornecidos pela clínica que lhes ampara) -, Rachel era apenas a maconheira meio indolente, cujo grande projeto de vida parece ser acreditar nas apostas online como fonte de renda (sim, as bets não são exclusividade do Brasil). Não parece ser difícil julgá-la. Ou mesmo se irritar, como faz uma Katie apreensiva, que não consegue relaxar nem quando liga pra família. Mas ao cabo é Rachel que está ali. Que permanece. Mesmo não sendo filha biológica de Vincent (que lhe adotou quando era ainda uma criança).

Como terceiro vértice desse triângulo, Christina é a hippie aposentada, atualmente casada e mãe de uma filha - uma fã de Grateful Dead e praticamente de ioga, que preserva um otimismo quase ingênuo (ao menos antes de explodir). Talvez sua trajetória não tenha muito a ver com aquilo que ela sonhou - e esse desequilíbrio entre a verdade e o que ela deseja que seja a verdade é transmitido de forma comovente pelo olhar anguloso de Elizabeth Olsen, quase o tempo todo encharcado por lágrimas. Aliás, esse é o tipo de projeto que se vale muito das impressionantes atuações, dos eficientes diálogos, dos pequenos acontecimentos entre pessoas distintas que colidem em um ambiente que parece menor do que é - e a claustrofobia de um apartamento fechado, com as três protagonistas tentando se entender diante da iminente morte do pai convalescente, torna tudo ainda mais trágico, sufocante. Alguém poderá dizer que não há muita novidade nesse tipo de drama doméstico, sobre conflitos porta adentro e sobre dores e traumas que emergem de forma inesperada. Ainda assim, esse é o tipo de obra de fácil identificação. Família é família, afinal. Em tempo, sobre Oscar: vai ser preciso uma campanha de arrancada nesses meses finais. Coon, Olsen e até Sanders podem ser lembrados. Até porque entregaram tudo. O espaço é curto. Aguardemos.

Nota: 8,0


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