De: Michelangelo Frammartino. Com Antonio Lanza. Drama / Experimental, Alemanha / França / Itália, 2022, 93 minutos.
Il Buco é aquele tipo de filme que parece ser bastante divisivo. Por um lado o estilo contemplativo, quase experimental da produção - que venceu o Prêmio do Júri no Festival de Veneza -, deverá acertar em cheio o coração dos cracudos da cinefilia, sempre dispostos a ter mais paciência com obras com estruturas narrativas menos óbvias e um maior apelo sensorial. Por outro ângulo, o hermetismo eventualmente exagerado pode afastar o fã ocasional, que talvez se exaspere com tanto simbolismo e com o caráter vagaroso e fragmentado da experiência. Sim, o filme do diretor Michelangelo Frammartino é meio que oito ou oitenta. Pode dar sono se você der play depois de um dia cansativo de trabalho. Mas também pode te maravilhar com o espetáculo visual proporcionado pela natureza exuberante e pela poesia subjacente, que permitem ainda uma série de reflexões sobre o quão pequenos somos diante de tudo.
Ao cabo o filme - disponível na Reserva Imovision - parece um documentário, mas não é. Quase não tem diálogos - à exceção de um instante em que um filme na TV recapitula a subida de um animado grupo de empresários ao topo da Pirelli Tower, um grande arranha-céu de Milão, na Itália. Nesse sentido, essa também é uma obra de contrastes. Se por um lado os ricaços celebram o avanço civilizatório representado pela ampla torre, por outro os habitantes de um pequeno povoado se acotovelam para assistir a essas imagens que parecem tão distantes de tudo. Ao lado um grupo de crianças brinca. E um coletivo de exploradores de cavernas se organiza para adentrar o Abismo Bifurto, uma das cavernas mais extensas do mundo, com 700 metros de profundidade, localizada no Sul da Itália. Não há muito que se saiba sobre essa expedição, sobre suas histórias ou motivações. Não há um protagonista entre eles, por assim dizer.
Quer dizer, talvez o protagonista seja a própria natureza em sua complexidade, as montanhas e as campinas, o gado que vaga calmamente, o silêncio e o minimalismo sonoro, e a cratera que surge como um espectro que tudo observa. E engole. Na primeira cena - evocativa e bucólica -, temos uma câmera localizada dentro do buraco, em seus primeiros metros. Com a escuridão contrapondo a claridão que invade por meio dos raios de sol (e com as cores). Essa oposição pode ser percebida em outros aspectos que envolvem vida e morte, saúde e doença, penumbra e luz, cidade e campo, subida e descida. Esses elementos dicotômicos surgem em toda a parte, sendo um dos exemplos mais gritantes o momento em que os exploradores entram na caverna e utilizam o fogo - feito com páginas de revistas velhas acendidas com fósforo -, para conseguirem ter alguma visão do que se encontra abaixo.
O fato de uma das imagens da revista ser a do ex-presidente dos Estados Unidos John Kennedy talvez também signifique alguma coisa, especialmente em uma década que culminaria com a corrida espacial e as disputas políticas nas entranhas do universo. Aqui a busca é outra, a pesquisa é mais íntima. Sendo observada, a alguma distância, por um dos moradores do vilarejo, que se comunica com o rebanho bovino aos grunhidos e que, por fim, padece de uma doença - sendo socorrido e levado para a sua casa pelos próprios moradores da Calábria local. Frammartino não se ocupa em explicar por quê as coisas acontecem. Elas apenas são como são. É uma espécie de ironia subjacente pensar que um idoso está a beira da morte, enquanto uma expedição avança até o limite de uma perigosa caverna nunca explorada. Com alguns dos homens fazendo uma parada para bater uma bolinha no entorno - até o momento em que a bola é tragada pelo buraco da caverna. No fim das contas talvez seja isso mesmo: todos iremos para o buraco. O entorno é belo. Mas vai acontecer.
Nota: 8,0
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