segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

25 Melhores Discos Nacionais de 2018 (+15 Menções Honrosas)

Se há um consolo para essa onda autoritária/conservadora/fascista que assola não apenas o Brasil, mas o mundo, é que ela certamente fará aflorar de todos os recantos de nossa terra artistas dispostos a dar voz às minorias, aos excluídos ou as pessoas em vulnerabilidade social. A música nunca foi tão democrática - e acessível - como nos dias de hoje e, tal qual faziam Chico Buarque, Caetano Veloso e outros na época da Ditadura Militar, os tempos atuais são matéria-prima fértil para que artistas diversos, como Violins, Baco Exú do Blues, Teto Preto e Josyara expressem suas angústias, fazendo de cada disco um grito furioso de resistência e de oposição a tudo aquilo que estamos assistindo. Vale o mesmo para veteranos, como Elza Soares, que aqui no Picanha abocanha o nosso primeiro lugar com louvor, com o seu imperdível Deus É Mulher (que é provocativo e iconoclasta já no título). É claro que meio ao caos que vivemos também há espaço para a diversão descomplicada - e não por acaso discos como o dos gaúchos da Dingo Bells ficaram bem posicionados na nossa relação. Bom, deixemos a conversa fiada de lado: eis a nossa lista de 25 Melhores Discos Nacionais de 2018, com mais 15 menções honrosas! Boa leitura!

Menções honrosas:

40) Autoramas (Libido)
39) Mulamba (Mulamba)
38) E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (Fundação)
37) Lupe de Lupe (Vocação)
36) Cora (El Rapto)
35) Karol Conká (Ambulante)
34) Bemti (Era Dois)
33) Gui Amabis (Miopia)
32) Kiai (Além)
31) Maurício Pereira (Outono No Sudeste)
30) Malu Maria (Diamantes na Pista)
29) Séculos Apaixonados (Suspenso Graças ao Princípio da Insignificância)
28) Ava Rocha (Trança)
27) Tuyo (Pra Curar)
26) Craca e Dani Nega (O Desmanche)


25) Duca Leindecker (Baixar Armas): não bastasse o talento natural para a composição de grandiosas e agridoces canções, o vocalista da vanda gaúcha Cidadão Quem ainda transforma este seu registro - o segundo em carreira solo - em um verdadeiro documento de seu tempo. Uma coleção de canções que parece, em cada curva milimetricamente ensolarada (sensação ampliada pelo instrumental de alma primaveril), clamar por mais paz, amor, compaixão - especialmente em um mundo tão cheio de ódio e intolerância como este que vivemos. É um disco de essência romântica, mas recheado de frase ambíguas que, ainda assim, são de rápida identificação do ouvinte. Vem me encontrar que eu quero amar você / Vale lembrar que a minha bomba / Tá aqui no peito é o meu coração canta Duca na singela e certeira Impacto das Bombas, que explicita com clareza essa forma de tratar temas tão distintos. Um álbum cheio de inteligência e que mostra Duca em grande forma.


24) Laura Lavieri (Desastre Solar): num comparativo entre a parceira musical de Marcelo Jeneci e a estreia em carreira solo de Laura Lavieri, é possível constatar a existências de duas artistas distintas. Do recorte anterior sai a intérprete amorosa e primaveril (de canções hoje já clássicas como Pra Sonhar e Felicidade) e entra em seu lugar a cantora engajada, imperativa e feminista e com algo mais a dizer. "Eu precisava fazer um disco para me curar", afirmou a artista em entrevista ao site Esquina da Cultura. No processo de cura, um disco solar (como o próprio nome atesta), rico em camadas, mas invariavelmente acessível. No registro há espaço para exorcizar demônios (como em Respeito e Tira a Mão), mas também há a indicação para caminhos mais esperançosos - como no pop comercial com ares de Jovem Guarda, Estrada do Sol (Pela estrada do sol / Pelas ondas do mar / Aos caminhos que me deixem / Sempre perto de você).


23) Bolerinho (Bolerinho): misture uma dose de regionalismo, com outro tanto de eletrônica moderna. Some uma pitada de música brega dos anos 80 com cantigas de roda brasileiras. Embrulhe tudo em generosas camadas compostas por letras divertidas, irônicas e debochadas sobre relacionamentos e está feita a receita infalível do trio formado há cerca de 10 anos na Unicamp, em São Paulo. Com letras feministas sobre sexualidade, questões de gênero e morte, o coletivo realiza uma das mais surpreendentes estreias desse ano. Do compositor clássico Grieg (Sônia) a islandesa Björk (Alumiada), passando ainda por canções circenses (Amor Verdade), o registro bebe em fontes diversas promovendo idas e vindas no tempo, com quebras de estrutura e outras trucagens que conferem personalidade ao projeto, fazendo com que o ouvinte sempre encontre algo diferente a cada nova audição. Difícil resistir.


22) Catavento (Ansiedade na Cidade): na onda (neo)psicodélica que atinge o mundo da música - encabeçada por bandas como Tame Impala e Washed Out - seria muito fácil cair na armadilha do lugar comum ou da previsibilidade. Mas, definitivamente, não é o que acontece com os gaúchos de Caxias do Sul. Em seu terceiro registro, a banda esbanja personalidade com uma sonoridade cheia de guitarras distorcidas, efeitos eletrônicos surpreendentes, vocais propositalmente arrastados e ambientações etéreas que, por vezes, se assemelham a delírios oníricos multicoloridos, sempre criativos e nunca óbvios. Com uma série de divagações eventualmente angustiadas sobre o sujeito e sua relação com o meio em que vive, o coletivo encontra ainda espaço para a abordagem de temas políticos (Paraíso do Terceiro Mundo), religiosos (Deus Online) e, inevitavelmente, regionalistas (na ótima Lagartia).


21) Cambriana (Manaus VidaLoka): denso, eventualmente hermético, mas de essência amplamente criativa, o segundo registro da Cambriana dá continuidade aos experimentos sonoros testados há seis anos, no divertido House Of Tolerance - e que tiveram sequencia no EP Worker (2013). Na época, a cena goiana ainda era relativamente embrionária - o Violins já era realidade, mas o Carne Doce e o Boogarins ainda davam os primeiros passos - mas o conjunto multi-instrumental já dava indícios dos caminhos que seriam percorridos pelos artistas de lá. Equilibrando MPB, shoegaze, art rock e música regionalista, além de ritmos africanos e latinos, entre outros, o coletivo é capaz de ir do caos a tranquilidade em poucos segundos. As letras (em inglês) são um primor e versam sobre temas variados, como mal estar na modernidade (no tour de force Manaus) e sexo oral (na nada sutil Lucifer).


20) Duda Beat (Sinto Muito): é um sentimento gostoso aquele que nos invade ao escutar o primeiro trabalho da pernambucana Eduarda Bittencourt. Com uma coleção de canções cheias de versos românticos e totalmente confessionais, a artista se diferencia de outras de sua geração pela plena capacidade de saber "rir de si mesma". Sem nunca tratar o registro como uma peça autopiedosa ou excessivamente melancólica, Duda transforma o álbum em um verdadeiro deleite em que frases como Eu nunca senti / Desapego por ninguém / Com você experimentei (da regionalista Bixinho) escorrem com uma naturalidade divertida, esperta e eventualmente sacana. Com uma eletrônica expansiva e primaveril, a cantora equilibra doçura, fragilidade, frescor e acidez em igual medida. Um disco que, inevitavelmente, a gente nunca cansa de ouvir.


19) Rubel (Casas): não há nesse segundo registro do carioca uma canção que se sobressaia como ocorreu com o megahit Quando Bate Aquela Saudade - que integrava Pearl, o seu disco de estreia. Mas há grandes canções, com letras mais robustas e melodias ricas (e experimentais), que formam um conjunto tão homogêneo que às vezes nem percebemos onde está a separação que leva de uma para outra música. O carioca parece estar mais maduro na forma de compor, ainda que o texto de apresentação em sua página do Facebook ainda mantenha aquele clima juvenil, como se o artista fosse um adolescente ávido por mostrar aquilo que fez com tanta dedicação, para o maior número de pessoas - "quero retribuir o amor e o carinho que tenho recebido com mais música [...] me reunir com amigos do peito e fazer a mágica acontecer", ressalta, reforçando a intenção de continuar contanto histórias, impulsionando amores, entregas, bads e amizades.


18) Gal Costa (A Pele do Futuro): impressionante a capacidade da baiana de se reinventar e de permanecer absolutamente relevante no atual cenário da música brasileira - processo vivido também por outros artistas, como Chico Buarque e Caetano Veloso. Em seu trigésimo disco de estúdio, os versos elegantes, naturalmente carregados de romantismo, são amparados pelo vocal sempre limpo, que serve de base para um riquíssimo arcabouço sonoro. Se a nostalgia e o regionalismo são a matéria-prima para as imperdíveis SublimeMinha Mãe, por outro lado o álbum ganha movimento (e tesão) em momentos mais ensolarados, como no caso das primaveris Abre-Alas do Verão e Cuidando de Longe. Participações de Silva, César Lacerda, Emicida, Guilherme Arantes, Marília Mendonça, Gilberto Gil e Tim Bernardes (d'O Terno), dão conta da pluralidade do registro, que vai no limite entre a sensibilidade e a fúria sem nunca passar despercebido.


17) Negra Li (Raízes): é absolutamente irresistível o pop estilo "anos 90" do mais recente trabalho entregue pela paulistana - aliás, um mais do que bem-vindo retorno após um pequeno hiato de seis anos. Trafegando com naturalidade pelo hip hop, pelo soul, pelo rap e pela música eletrônica, a ex-RZO apresenta um álbum classudo, moderno, mas que não ignora o contexto em que a artista está inserida. "Este trabalho vem com uma mensagem muito mais forte e mais ativa. Por todo o momento vivido nestes últimos anos, senti a necessidade de usar a minha voz para falar novamente de tudo o que vivemos, nós que somos da periferia, nós que somos negros, nós que somos mulheres", afirmou em entrevista ao site Eufonia Brasileira. Não por acaso canções como a faixa-título (Minha dor é de cativeiro / A sua é de cotovelo) são aquele socão na cara da sociedade hipócrita. Mas há também espaço para a celebração da vida, como atesta a inesquecível Eclipse Lunar (Por que eu sou a lua / Você é meu sol / Hoje vai rolar / Um eclipse lunar).


16) André Abujamra (Omindá): na língua Yoruba a junção das palavras omin (água) e da (alma) enchem de sentido o quarto trabalho solo do ex-integrante do Karnak, que transforma o álbum em uma grande celebração da diversidade e da comunhão pela arte. O elemento "água" está em toda a parte - nas letras, nos nomes das músicas, nas referências espirituais - e serve como a metáfora perfeita para estabelecer conexões em um universo tão individualizado, frio e tecnológico. Não por acaso, "A união das almas do mundo pela água" é o subtítulo do registro que levou 11 anos para ser concebido e que explora um rico universo cultural, em um clima quase elegíaco, místico. Para a construção de canções que já nascem clássicas - como Lagrimar e Barulhinho - a participação de músicos de 11 países diferentes (de Japão a Bulgária, passando por Mali e República Tcheca). Em entrevistas, Abujamra tem dito, sobre o resultado, que já pode morrer feliz. A boa música agradece.


15) Cordel do Fogo Encantado (Viagem ao Coração do Sol): ainda que jamais repita o espírito antropofágico, cru e selvagem de seu primeiro registro - num já agora distante 2001 - há que se celebrar o retorno do coletivo pernambucano, após um hiato de 12 anos desde Transfiguração (2006). Ainda assim, é inegável o processo de amadurecimento vivido pelo grupo comandado por José Paes de Lira. Está tudo lá: a percussão tribal, a complexidade dos arranjos, os corais de vozes, o clima teatral, as temáticas bucólicas/folclóricas. Mas tudo embalado em uma produção caprichada, limpa, com canções que oscilam entre momentos mais expansivos (Liberdade, a Filha do Vento), com outros mais intimistas (No Compasso da Mãe Natureza ou o Amor, a Pureza e a Verdade). Natureza, misticismo, regionalismo... o Cordel é um caldeirão cheio de personalidade, daqueles difíceis de definir de forma simples. E que te pega e não te deixa mais.


14) Josyara (Mansa Fúria): parece um paradoxo, mas a legitimação de uma aberração política como Jair Bolsonaro no cargo de presidente, me faz ter a esperança de que surjam, Pais afora, milhares de artistas como Josyara. Que representarão a perseverança, o ânimo e a resistência - assim como ocorreu nos anos de Ditadura Militar. Com seu brasileirismo inebriante e essencialmente aconchegante o segundo trabalho da baiana cresce a cada audição. E na mansidão da voz absolutamente limpa da artista, na calmaria dos versos, na polidez dos argumentos, está a fúria nada contida, a zanga necessária, o grito, o lamento. A sexualidade latente em Rota de Colisão, o bucolismo de Apreciação ou mesmo o espírito questionador de Engenho da Dor, tudo parece convergir para um mesmo "riacho" de emanações etéreas, eventualmente psicodélicas e invariavelmente provocativas. Por um mundo com mais Josyaras e menos "mitos".


13) Silva (Brasileiro): sutil, carinhoso, sem exageros. Partindo das beiradas para chegar no centro, assim como fazemos quando deixamos a melhor parte da nossa refeição para o final. Assim é o mais recente trabalho do capixaba, um registro que se apresenta como uma extensão quase natural do material apresentado nas recentes edições de Silva Canta Marisa em estúdio (2016) e Ao Vivo (2017). Ainda assim, é preciso que se diga, Silva se apropria de tudo aquilo que existe de melhor na MPB (e também na bossa nova, do samba e de outras vertentes), mas sem deixar de imprimir a sua personalidade a cada uma das composições. “Acho que o disco reflete a forma como eu me enxergo no mundo, e também a maneira como hoje me enxergo brasileiro", explicou o artista no material de divulgação. Fica Tudo Bem, Duas da Tarde. A Cor É Rosa, Prova dos Nove, Milhões de Vozes... são tantas grandes canções que é impossível parar de ouvir.


12) Djonga (O Menino Que Queria Ser Deus): a ferocidade do rapper mineiro não está apenas nos versos autobiográficos, no flow urgente e nas batidas secas, urbanas, caóticas. Está também na percepção de um mundo de contrastes, capaz de ser a matéria-prima perfeita para uma poética que se esparrama de forma raivosa, rápida. Se de um lado a sobrevivência em mundo tão racista é o mote (como na inaugural Atípico), de outro a superação das adversidades e a autoestima dos que convivem com a exclusão (como em Junho de 94) é o tema. Sexo, religião, histórias diversas sobre preconceito e um amontoado de referências - de Sgt. Peppers, dos Beatles, passando pelo Show de Truman, até chegar no Repórter Esso - tudo, nesse segundo registro, parece formar um amálgama fidedigno da vida nunca fácil em comunidade e da busca por espaço por meio da arte, em meio a uma sociedade em que reina a hipocrisia. Ah, e ainda há a singela homenagem ao filho Jorge, em Canção Pro Meu Filho. Discaço.


11) Anelis Assumpção (Taurina): talvez seja mera coincidência o fato de a paulistana utilizar tantas metáforas "gastronômicas" nesse disco tão brasileiro, tão rico em elementos e tão pessoal, mas o caso é que ouvi-lo se torna uma experiência ainda mais saborosa (com o perdão do trocadilho) também por causa disso. É claro que Caroço (Me diz por que tô sem comer / Meu jejum hoje é você), Pastel de Vento (Caminho do meio / Pastel sem recheio) e Receita Rápida (Açúcar branco ou mascavo / Quem come se delicia) parecem formar a trinca perfeita ao se juntar como pequenos fragmentos capazes de espelhar um tipo de romantismo de fácil identificação do ouvinte. Mas, é preciso que se diga, há mais do que isso em cada curva do trabalho. A voz limpa de Anelis desnuda a alma em versos sinuosos, delicados e nunca sutis que vão do regionalismo (Mergulho Interior) ao debate político (Segunda a Sexta), com um magnetismo surpreendente.


10) Teto Preto (Pedra Preta): funcionando como uma extensão da famosa festa Mamba Negra e guiado por uma eletrônica ao mesmo tempo elegante e robusta, o registro inaugural dos paulistanos é uma porrada urgente que serve tanto para os inferninhos do underground quanto para aquele momento em que estamos sozinhos, em casa, com o fone de ouvido a tiracolo e acompanhados de uma boa taça de vinho. A voz furiosa da vocalista Laura Diaz ecoa resistência em meio uma estética esfumaçada, multicultural e vibrante. Canções potentes e representativas como Gasolina Aditivada (Eu não acreditava em sonhos, em mais nada / Apenas a carne me ardia) e Bate Mais (Quero toda a vingança que nos cabe / A vitória dos feridos, a orgia da semântica, o desacato à semiótica) dão o tom, num disco denso que bate de frente com o conservadorismo, com os delírios das "famílias de bem" e com a ignorância política.

9) Maria Beraldo (Cavala): discussões sobre liberdade sexual e sobre respeito às diferenças costumam também ser uma forma de resistência - e no caso do trabalho de estreia da cantora, compositora e clarinetista paulistana, a temática é matéria-prima para uma série de digressões absolutamente confessionais, ainda que nunca excessivamente panfletárias. Mãe, gosto muito dos homens, sim / De vê-los invadindo meu sonho assim / Mas no frio do anoitecer quem me fez delirar foi uma mulher canta Beraldo em Amor Verdade - uma narrativa sincera, que se descortina quase em formato de carta, enquanto emanações etéreas crescem no limite da tensão e da delicadeza. Há outros grandes momentos - como a recriação celestial e eletrônica de Eu Te Amo, de Chico Buarque e Tom Jobima, além da divertida Gatas Sapatas e da curiosa e sincera Tenso (que nos remete imediatamente a St. Vincent). O disco é enxuto - são apenas 10 músicas distribuídas em 24 minutos. Mas o impacto causado é grande.


8) Mahmundi (Para Dias Ruins): se comparado com o homônimo trabalho lançado em 2016 - curiosamente o nosso sexto colocado naquele ano - a impressão que se tem de Para Dias Ruins é o de que sai a festa, o clima primaveril de final de tarde e as batidas dançantes e entra no lugar uma atmosfera mais intimista, de romance, com uma levada levemente mais doce e introspectiva. Talvez reflexo da maturidade, mas o caso é que o novo registro de Marcela Valle apenas a confirma como uma das mais interessantes artistas da atualidade. Com personalidade, abre seu coração com letras íntimas de qualquer ouvinte - A gente quer um tempo pro amor / E depois, no mundo lá fora / A gente retorna onde parou canta em Tempo Pra Amar - traduzindo à perfeição a sensação que nos invade quando a paixão vem. Aquela mesma que transforma em festa o nosso coração. Mas sem perder o tesão (como atesta Vibra, uma das melhores canções do ano).


7) Carne Doce (Tônus): de espírito intimista, o terceiro trabalho dos goianos é rico em detalhes, em encaixes bem pensados, em curvas etéreas e nunca óbvias e em versos sussurrados que parecem se grudar a porção instrumental. É portanto um trabalho amplo e maduro que, ainda que menos "feminista" que o anterior, jamais deve ser ouvido de forma displicente. Eventualmente melancólico, invariavelmente provocativo e de essência extremamente poética, o disco parece trafegar num limite entre a música alternativa mais íntima (com batidas, guitarras e sintetizadores econômicos) - como em Besta e Brincadeira -, com outros mais expansivos - como em Tônus. "Esse é um sentimento que também reflete a nossa postura de não jogar com sentimentos óbvios, imediatos", resumiu o guitarrista Macloys Aquino em entrevista à Revista Isto É. Ah, e ainda existe uma canção que se chama Golpista, o que, por si só, já é um mérito.


6) Luiza Lian (Azul Moderno): o casamento entre religiosidade e música pop é não menos do que perfeito neste terceiro registro da paulistana. Ampliando as ideias experimentadas no visual, igualmente belo e mais "furioso" Oyá Tempo (2017), a artista entrega uma obra delicada, etérea e sensorial, capaz de atingir em cheio o coração de quem ouve. Melodioso que só ele, o disco, produzido por Charles Tixier e Tim Bernardes (d'O Terno) é riquíssimo em referenciais regionalistas e místicos, sem nunca se transformar em um material hermético - pelo contrário, os refrões adocicados de Iarinhas (uma das candidatas a música do ano) e Mil Mulheres são daqueles pra cantarolar sorrindo. "A realidade é multidimensional, por isso procurei armar uma teia entre espiritualidade, virtualidade, pensamento e natureza" afirmou em entrevista para o site Hypeness. Um verdadeiro deleite.

5) Violins (A Era do Vacilo): se em 2007 o grupo capitaneado por Beto Cupertino já havia mostrado sua força ao abordar temas mais caros e pesados ao ouvinte no já clássico Tribunal Surdo, não é exatamente uma surpresa que nesta irretocável obra alguns assuntos em comum voltem a aparecer. A diferença crucial é como estes são abordados esteticamente: se naquele a aura era suja e distorcida com o vocal enterrado na mixagem, neste a produção é mais límpida e, embora as guitarras continuem presentes, a voz aparece com maior destaque, assim como as melodias - o que nos remete ao ótimo Direito de Ser Nada (2011), talvez o álbum mais pop do grupo. Em apenas 10 breves canções todas as qualidades apreciadas pelos fãs da banda estão presentes: refrões, quebras de andamento, pequenos truques eletrônicos que colorem as canções (cortesia do tecladista Pedro Saddi), e as letras sempre competentes de Cupertino. Um registro fundamental.


4) Rashid (Crise): não bastasse a capacidade para a construção de versos que se encaixam de forma única, orgânica e fluída, o paulista parece, a cada novo registro, ainda mais disposto a se aproximar do grande público. Da criativa batalha de hip hop consigo mesmo na autocrítica Primeira Diss ao choque de realidade por trás de Estereótipo, todo o conjunto do registro é formado por flows e batidas capazes de agradar até os neófitos do estilo. Com um discurso que diz muito a respeito dos tempos que vivemos - de preconceito, de ódio e de intolerância - o artista se posiciona como uma voz que está ao lado daqueles que sofrem, na periferia, com todos os tipos de violência no dia a dia. Sim, há otimismo (Sem Sorte) e até espaço para o romance (na candidata a hit Bilhete 2.0). Mas a crítica feroz, a rima reta e o questionamento são, em geral, as marcas deste forte registro.


3) Dingo Bells (Todo Mundo Vai Mudar): se manter relevante em meio a um cenário musical tão amplo, democrático e plural como este que vivemos nos dias de hoje não deixa de ser um desafio para as bandas modernas. Em um mundo tão intolerante as pessoas querem, sim, se divertir, mas também parecem desejar que seus artistas preferidos se posicionem, se engajem em algo, enfim, tenham algo com mais "conteúdo" pra dizer, que não seja o simples blábláblá sobre o amor que ocorre desde sempre. Nesse sentido, poucos coletivos são tão completos como os gaúchos que, neste ano, chegaram ao seu segundo (e festejado) registro. Sem abandonar a já percebida complexidade nas divagações sobre um cotidiano capaz de ser o de cada um nós - algo já visto no imperdível Maravilhas da Vida Moderna -, o presente trabalho parece ampliar ainda mais o sentimento de urgência, de evolução permanente e de inconstância. Nesse sentido, é impossível não sorrir ao escutar gemas como Tudo Trocado, Sinta-se em Casa e a faixa título. Experimente sem medo de errar.


2) Baco Exú do Blues (Bluesman): na poesia feroz de Baco, ser um bluesman é ser o inverso do que os outros pensam, é ser contra a corrente. É ser, metaforicamente, o oposto de uma imagem submissa. "Tudo que quando era preto era o demônio / E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues", define o rapper baiano na faixa que abre o seu magistral segundo trabalho. A partir de então temos um verdadeiro manifesto em formato de álbum - uma metralhadora de ritmos (africanos, latinos, regionalistas, religiosos), de citações (de Kany West à Jay Z) e de versos que direcionam o ouvinte para uma reflexão a respeito de temas universais, mas que estão centralizados na discussão do racismo. "Eu sou negro e isso sempre existiu para mim. Só que agora as pessoas vão começar a sentir com mais força, então espero que meu discurso nutra essas pessoas que são iguais a mim. Bluesman é um movimento. Foi tudo feito para a luta. É um álbum de guerrilha", explicou em entrevista ao Diário de Pernambuco. Baco perverte a lógica e se aproxima ainda mais de seu público. A gente agradece.

1) Elza Soares (Deus É Mulher): do alto de seus 88 anos de idade, a artista mais parece uma espécie de suntuosa divindade vinda de algum lugar que não sabemos qual com o objetivo de, com a sua música, trazer um pouco de alento para tempos tão cheios de ódio, de preconceitos e de intolerância como os que vivemos. Uma voz amplamente necessária, atual e capaz de fazer ecoar o grito dos oprimidos e de todos aqueles que lutam por uma sociedade mais justa e mais igualitária para todos. Sim, é música política, engajada, desconstruída e com posicionamento. E ainda feita com elegância - escancarando, mas sem esquecer da sutileza, com raiva mas com igual compaixão. É muito provável que o trabalho - recheado de grandes canções como Exú Nas Escolas, Língua Solta e Banho (naturalmente a melhor música do ano) - permaneça para sempre na memória daqueles que apreciam a arte não apenas como entretenimento, mas como peça disruptiva, capaz de provocar, de fazer questionar o status quo e que represente ainda o espírito de nossos tempos. Uma obra-prima imprescindível. Rica. Necessária.

E aí, gostaram da lista? Ou ficou disco de fora? Comentem!

E, se vocês gostaram, não deixem de conferir também as nossas relações de Melhores Nacionais de 2015, 2016 e 2017. Vale a pena recordar!

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