quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Pérolas da Netflix - A Livraria (The Bookshop)

De Isabel Coixet. Com Emily Mortimer, Bill Nighy e Patricia Clarkson. Drama, Espanha / Reino Unido / Alemanha, 2018, 110 minutos.

"Livraria Cultura fecha sua última loja no Rio de Janeiro". "Em crise Livraria Saraiva fecha 20 lojas". Não é necessário ir muito a fundo nas pesquisas no Google pra perceber que o mercado editorial sofre. Sangra. Definha. O cidadão médio não lê e parece cada vez menos interessado nisso. Bom, as pessoas votam no Bolsonaro - e, não tenho dúvida, uma coisa está relacionada com a outra. Em tempos tão sombrios, tão cheios de ódio e de intolerância, ler é ato de resistência. Estudar é ato de resistência. Só tome cuidado ao ser visto com um livro na mão. Já sabe né, livro é coisa de comunista gayzista. Talkey? Bom, faço esse preâmbulo pra dizer que A Livraria (The Bookshop), de Isabel Coixet (do singelo Minha Vida Sem Mim) está bem longe de ser perfeito. Ou o filme ideal. Mas o simples fato de ser uma declaração de amor aos livros - ainda que meio arrastada, com arcos dramáticos curiosamente confusos - já o faz merecedor de atenção.

A trama nos joga para uma pacata cidadezinha do litoral inglês, no final dos anos 50. É lá que Florence Green (Emily Mortimer) pretende abrir uma livraria em um velho casarão que era de sua família - a despeito da desconfiança dos locais. O símbolo da aversão a esta ideia é a ricaça Violet (a sempre ótima Patricia Clarkson) que gostaria que o local em que será instalado o empreendimento se tornasse um grande centro de artes (!) - e aqui está uma das tantas coisas estranhas do roteiro: se Violet queria tanto que o lugar funcionasse como um espaço voltado ao fazer artístico, por quê tanto ódio de uma mulher que pretende abrir... uma livraria? Bom, a despeito da resistência dos conservadores moradores da cidade, Florence consegue colocar o seu objetivo em prática. E ganha o apoio do excêntrico e recluso Sr. Brundish (Bill Nighy), único leitor da região.



Residirá na interação entre Florence e Brundish alguns dos melhores momentos da película. Brundish não conversa com ninguém e não sai de casa nunca. É, em resumo, o antissocial dos antissociais. Mas ele dará uma trégua para o seu método, no momento em que a protagonista ver o seu "negócio" ameaçado, já que ele se torna um dos principais clientes. Aliás, não deixa de ser simbólico o fato de o primeiro livro enviado por Florence à Brundish ser justamente Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, uma alegoria a respeito de um governo totalitário incumbido de queimar todos os livros existentes. Será a partir desses pequenos momentos de interação, às vezes singelos e didáticos até demais, que o filme se desenvolverá. Um encontro com um advogado aqui. Uma festa luxuosa acolá. Um debate sobre a afronta de se ter uma livraria em uma pequena cidade. Tudo cheio de boas intenções. Mas eventualmente não tão bem resolvido.

A crítica pegou pesado no fato de que o filme se distancia demais da realidade - e que a mesquinhez dos habitantes do contexto em que a protagonista está inserida, tentando superar adversidades, seria exagerada. Mas e a nossa sociedade? Os nossos leitores? A ignorância proclamada e que, inacreditavelmente, é motivo de orgulho? Ambas as chamadas ali da abertura da resenha são do mês de outubro. Agora, nem dois meses atrás. As pessoas não assistem a A Livraria por que ele é excessivamente didático, arrastado, com motivações pífias. E quem então lerá o livro de Penelope Fitzgerald, no qual a película é baseada (e faço aqui um mea-culpa, já que estou bem longe de ser o melhor leitor pra ficar aqui cagando regra)? "Um bom livro é a destilação preciosa do espírito do mestre, embalsamada e preservada com o propósito de alcançar uma vida além da vida", lembra a protagonista em certa altura da projeção. Não sejamos nós a geração a acabar com essa ideia.

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