De: Rebecca Lenkiewicz. Com Emma Mackey, Fiona Shaw, Vicky Krieps e Vincent Pérez. Drama, Reino Unidos, 2025, 93 minutos.
Mesmo quem não está assim tão familiarizado às alegorias cinematográficas será capaz de compreender o significado de um cachorro que, no contexto de um filme simplesmente late de forma contínua. Um barulho que ecoa ao fundo e que parece evidenciar o fato de haver algum incômodo ali. O cão do vizinho parece estar irremediavelmente preso. De forma desconfortável. Uma metáfora mais do que perfeita para a condição vivida pela jovem Sofia (Emma Mackey), no pastoso Hot Milk: "acorrentada" à própria mãe, Rose (a sempre ótima Fiona Shaw), que padece em uma cadeira de rodas, com dores excruciantes. Dores que, aliás, lhe perseguem desde a juventude, quando se separou do marido após uma série de experiências traumáticas. O que lhe impediu de andar com as próprias pernas. Um tipo de simbolismo que, em alguma medida, percorre toda a narrativa, que é inspirada em um livro de Deborah Levy.
Exibido no Festival de Berlim, esse é aquele tipo de obra que convida o espectador a tentar unir os pontos daquilo que parece ser uma jovem umbilicalmente conectada à sua mãe controladora, dependente (física e emocionalmente) e narcisista. Por ser cadeirante, Rose é incapaz de fazer qualquer coisa por conta própria. O próprio ato de servir um copo de água pode ser complicado - com tudo piorando a partir de implicâncias tolas a respeito da qualidade da bebida (que vem embutido de um alto grau de exigência do tipo de tratamento que a genitora, essa idosa tão sofrida, acredita merecer da filha). De férias na litorânea Almería, a dupla está programada para uma série de consultas com uma espécie de curandeiro local chamado de Gomez (Vincent Pérez), que toma algumas medidas drásticas, como a interrupção de certos tratamentos com medicamentos supostamente ineficazes e uma investigação mais atenta a respeito de fatos (traumáticos) da vida de Rose, que poderiam ter desencadeado as dores crônicas.
Só que esse ambiente praiano tão sensualmente caloroso e tão magneticamente quente também transformará Sofia que, mesmo com vinte e poucos anos, parece meio travada no que diz respeito aos relacionamentos. Há algo pronto a desabrochar - e o simples toque de um enfermeiro em certa altura, após a jovem ser queimada por uma água viva, parece exalar uma energia sexual vibrante (o que é reforçado pela sensualíssima desatenção quanto a um seio que pula para fora do biquíni de forma inesperada). E, como se já não bastasse esse clima meio febril e letárgico da orla marítima inebriante, a coisa ainda escala após Rose conhecer a enigmática Ingrid (Vicky Krieps), uma alemã que, com sua personalidade desapegada em todos os sentidos, surge como o espírito livre que fornece o ideal de uma vida oposta à da protagonista. Sem amarras e extrovertida, ainda que traumatizada em alguma medida.
Para aqueles que buscam um sentido maior naquilo que assistem, essa pode ser uma experiência eventualmente hermética e não muito fechada em uma caixinha. Sofia, por exemplo, é uma antropóloga em formação que nunca chegou a concluir os seus estudos, ao passo que a mãe é uma bibliotecária precocemente aposentada. Em meio a essa síndrome de coitadismo que avança para uma vida de frustrações e de dores nunca superadas, a idosa converte a existência da filha em um inferno para quem apenas existe para ser sua cuidadora. Envolta pela névoa litorânea cintilante e plácida, a jovem vai aos poucos quebrando essas correntes que a atam à mãe. O que envolve pequenas subversões - como soprar a fumaça do cigarro nas roupas que estão no varal ou mesmo quebrar um prato violentamente quando Sofia é impedida (em termos) de encontrar o próprio pai, que lhe abandonou aos 15 anos. O final ambíguo pode ser pouco revelador. Ainda que nos lembre que, em alguns casos, só atitudes extremas podem fazer com que ciclos se quebrem.
Nota: 7,0