sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Foi Um Disco Que Passou Em Minha Vida - Los Hermanos (Ventura)

Diz, quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além
Vão dizer, que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela vai cair

(Conversa de Botas Batidas - Los Hermanos)

Vocês que gostam de música e nos acompanham aqui no Picanha sabem melhor do que nós: quando a gente gosta de um disco a gente escuta ele. E escuta de novo. E escuta mais uma vez. E vai escutando, escutando e escutando. E parece que sempre que a gente escuta aparece algo novo, diferente, que não havíamos percebido. Alguma nota. Algum verso. Algum efeito. E que faz com que a gente volte a amar novamente aquele registro com todas as forças. E, quando vê, se passaram cinco anos. Dez. Quinze. Trinta. E aquele álbum se torna um dos nossos preferidos de sempre. Para sempre. Fazendo parte da nossa formação musical. Ou formação como sujeito mesmo. Pra mim esse é o caso do Ventura, o terceiro trabalho do Los Hermanos, lançado em 2003. Um dos discos que mais ouvi na vida. E que, volta e meia, vai parar na vitrola novamente.

Não fosse o Ventura, com todas aquelas letras maravilhosas, robustas e cheias de significados e, hoje em dia, talvez eu nem tivesse disposição para conhecer outros artistas, como Silva, Marcelo Jeneci, Vanguart, Mahmundi, Maglore ou outros. Nesse sentido o Los Hermanos serviu como porta de entrada. Uma riquíssima porta de entrada. Em uma época em que comprar CDs ainda era hábito, gastar o dinheiro suado para ouvir o que mais aqueles cariocas tinham para oferecer depois do Bloco do Eu Sozinho (que tinha os hits Todo Carnaval Tem Sem Fim, Retrato Pra Iaiá e A Flor) era um daqueles prazeres raros. No limite entre o rock e a MPB, o alternativo e o comercial, o quarteto carioca - formado por Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba - transformaria o disco em objeto de culto. E não seria para menos.



Lembro até hoje de quando o primeiro single foi lançado. Era Cara Estranho, com aquela letra sobre desajustados tentando encontrar o seu lugar na sociedade (Olha ali quem tá pedindo aprovação / Não sabe nem pra onde ir / Se alguém não aponta a direção). Uma música com pegada roqueira, que vai crescendo até a explosão final. Lembro que gostei, mas, na época, achei ok. O caso do Ventura não são nem os singles ou mesmo o conjunto da obra, mas os tesouros "escondidos". Se O Vencedor, Samba a Dois e A Outra tocaram a exaustão (vá lá) nas rádios e na MTV, foi com Além do Que Se Vê, O Velho e o Moço e Conversa de Botas Batidas que o jogo começou a ser ganho. Que a complexidade (e o aconchego) dos versos se sobressaíram. Que a comoção tomou conta. Que os amigos de faculdade começaram a falar. A repetir. A tentar entender o que aquelas frases lindas queriam, no fim das contas, dizer. Foi algo bonito. Que fez a moçada cantar junto nos shows. E dar risada do repórter estúpido que perguntava pro Amarante porque a banda não tocava mais Anna Júlia.

O tempo passou e o Ventura ainda ecoa pelos cantos em que se fala de boa música. Estamos todos quinze anos mais velhos, alguns já pensando como o "velho" da já citada O Velho e o Moço sobre o que poderia ter sido se agíssemos diferente. Ou não. Ou velhos para ainda amar e morrer de amor, abraçados, juntos, sem largar, como na também já citada Conversa de Botas Batidas - com seu arranjo insinuante, cheio de curvas. Otimista e melancólico, festivo e reflexivo em iguais medidas, este é um daqueles trabalhos raros, capazes de sobreviver muito bem ao tempo e de trazer reflexões existencialistas misturadas com outras, relacionadas à rotina do homem comum. Tudo pontuado por arranjos que tomam por base os metais, mas que se aproximam do cancioneiro popular, evitando a aposta em um hermetismo duro. Um disco que foi um verdadeiro divisor de águas: se por um lado indicou o começo do fim para os cariocas - seria apenas mais um trabalho, o 4 (2005) - por outro pavimentou o caminho para o surgimento de dezenas de outros artistas nesse novo milênio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário