segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Pérolas da Netflix - A Música Nunca Parou (The Music Never Stopped)

De Jim Kohlberg. Com J.K. Simmons, Lou Taylor Pucci, Cara Seymour e Julia Ormond. Drama, EUA, 2014, 105 minutos.

Conta a história que dois derrames ocorridos no começo dos anos 50, impossibilitaram o compositor russo Vissarion Shebalin (1902 - 1963) de falar ou compreender o sentido das palavras. Mas o fato jamais o impediu de ensinar ou compor até o final de sua vida. Talvez este seja um dos mais antigos (e relevantes) registros sobre a importância da música como terapia e sobre como as melodias podem ativar memórias antigas, provocando respostas mensuráveis no cérebro de pacientes que padeçam de alguma doença. Pois o singelo e delicado A Música Nunca Parou (The Music Never Stopped), do diretor Jim Kohlberg, fala exatamente sobre esse tema. E de uma forma tão comovente, que é quase impossível passar as quase duas horas da película sem se emocionar - ainda mais se levarmos em conta o fato de que todos nós temos as nossas músicas do "coração". Que nos deixam nostálgicos e cheios de lembranças boas ou ruins.

Logo no início do filme, que é baseado em fatos reais, ficamos sabendo do reaparecimento do jovem Gabriel (Lou Taylor Pucci) que, aparentemente, havia sumido da vida dos pais Henry (J.K. Simmons) e Helen (Cara Seymour) há cerca de 20 anos. Reencontrado, o rapaz é diagnosticado com um tumor benigno no cérebro que, após a cura, lhe impede de ter memórias recentes. Gabriel (ou Gabe, como é chamado) não lembra de nada relativo ao período em que esteve longe da casa dos pais. Para os pais, a alegria de reencontrar o filho terá como barreira a impossibilidade de comunicação. Uma série de acalorados flashbacks mostrará como a família era musical (especialmente Henry que, desde a infância estimulava o filho para jogos relacionados à nomes de músicas e de artistas). Não demorará para que o homem perceba a oportunidade de se reconectar com o filho por meio da música.



Será, inegavelmente, um processo doloroso para todos - e que envolverá ainda a participação da terapeuta Diane (Julia Ormond). Doloroso pelo fato de percebermos, conforme o filme avança, que a relação entre Henry e Gabe não era boa. Henry, um conservador republicano, favorável as políticas de presidentes como Richard Nixon e Ronald Reagan, entrará em choque com o filho que, na efervescência cultural do final dos anos 60, viverá o flower power e o movimento hippie antiarmamentista, confortando-se nas canções de gênios como Bob Dylan, Beatles e, especialmente, Grateful Dead, que ele replicará com os amigos na garagem de casa. De alguma forma, as tentativas de acesso a memória perdida do filho também servirão para que o pai se reencontre, confronte esqueletos que, há muito, estão no armário e se redima de atos injustificáveis do passado. E, quando tudo isso se descortinar em sua frente, é preciso que se diga: esteja com uma boa quantidade de lenços de papel a tiracolo.

Não fosse o talento do elenco e talvez esse drama familiar fosse mais convencional do que realmente é - e assistir a Simmons trafegando no limite entre o pai autoritário (e até reacionário) e o genitor carinhoso que abraça o filho com ternura na ânsia de tentar uma desajeitada aproximação, é não menos do que comovente. Já Lou Taylor Pucci, com seu olhar curioso (e meio perdido) faz uma boa caracterização do jovem doente que celebra cada avanço e que é capaz de brincar com a sua condição (o que torna a película mais leve, desacelerando o ímpeto melodramático). Com uma trilha sonora inesquecível - com direito a uma imperdível sequência em um show do Grateful Dead - a obra ainda reserva para a última cena, um comovente desfecho, capaz de fazer o espectador ficar com um sorriso no rosto por horas após o fim do filme. Em tempos de tanto ódio, preconceito e intolerância, um filme gentil, afável e gostoso de assistir, como esse, é quase uma benção.

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